segunda-feira, maio 04, 2009

Correcção linguística

Não resisto a partilhar com os leitores um exemplo, involuntariamente humorístico, das consequências do políticamente correcto.
O que se passa ao nível da linguagem, onde os preconceitos impostos pela correcção impõem graves limitações à liberdade de expressão, e à própria possibilidade de expressão autêntica e rigorosa, deviam ser suficientes para nos alertar sobre os perigos para a liberdade de pensamento que esta funesta mania ideológica traz implícita.
Estava aqui a reparar num "auto de denúncia", preenchido numa esquadra da PSP, onde um cidadão se queixou de que foi vítima de roubo. Trata-se evidentemente de um modelo em uso actualmente na PSP. Depois de fixar a atenção, fazendo um pequeno esforço interpretativo, entendi que o queixoso, na hora e local que refere, foi assaltado por três indivíduos jovens, um deles usando arma branca, que lhe levaram a mala com um computador e outros pertences. Dos três assaltantes dois eram brancos e outro era mulato, e aqui é que está o busílis. O modelo de "auto de denúncia" tem prevista a identificação dos "suspeitos desconhecidos" pedindo que se indique "sexo", "altura", "compleição", "estatura", "idade", "indumentária", e... bem, raça evidentemente que não podia ter. Agora ninguém tem raça, muito menos cor. Então, no sítio onde dantes constaria "raça" algum iluminado inseriu agora o item "ascendência". Confesso que neste ponto deu-me forte vontade de rir, pensando como deve ser difícil a um assaltado calcular a altura ou a idade aparentes dos assaltantes - quanto mais saber de quem eles são filhos... Mas, regressando ao sério do caso, evidentemente que ao pedir-se a "ascendência" não se está a solicitar a identificação dos progenitores (o politicamente correcto é cheio de subtilezas e subentendidos, no que se refere à semântica). Claro que aquilo que se procura saber é outra coisa; mas se é difícil perguntar também é muito difícil responder sem transgredir. Vai daí, no local onde se indica a "ascendência" dos dois assaltantes que qualquer humano normal diria que eram brancos ficou escrito "Ocidental". E no sítio onde o mesmo homo vulgaris diria mulato, ou mestiço, ou qualquer termo que exprimisse um fruto do cruzamento entre brancos e pretos, surge escrito "euro-africano".
Não será preciso observar que no "Ocidente" tanto podem nascer brancos como pretos, e que do "Oriente" tanto podem ser naturais brancos como "africanos", para sublinhar a intrínseca estupidez destes modernos códigos linguísticos.
Tem que se possuir um dicionário secreto e não escrito, onde figure a equivalência entre as designações geográficas e as características físicas que se pretende descrever, para poder interpretar o "auto de denúncia".
Assim vamos já, em Portugal. Noutras paragens dizem-me que ainda é pior.
Eu nem comento. Tento na língua, que quando menos se espera escorrrega-nos o pé para o ilícito criminal.

1 Comments:

At 8:00 da tarde, Anonymous FilipeBS said...

É a novilíngua de que falava Orwell.

 

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