terça-feira, março 17, 2009

A situação não é má, é pior

Dizem que não se olha de frente nem para o sol nem para a morte. Eu diria que há ainda algo mais que a gente não gosta de encarar: a verdade. Em regra, as pessoas preferem enganos que os confortem a verdades que os incomodem. Estava a pensar isso a propósito da actual situação portuguesa, que agora a todo o momento ouvimos dizer que é má. Creio que na maioria dos casos quem fala assim não diz a verdade: a situação é bem pior do que eles estão a pensar.
Eu explico, exemplificando. Todos sabemos que mais dia menos dia o actual poder socrático se vai desmoronar, como antes dele caiu o guterrismo, e antes o cavaquismo. Só não sabemos quando: se nas eleições, se depois das eleições, se mais cedo, ou mais tarde. Porém, sabemos que Sócrates e a sua corte se hão-de ir embora. A seguir, também penso que ninguém ignora, em termos genéricos, o que virá. Só pode ser um novo ciclo político polarizado no PSD, seja quem for que o protagonize. Não adianta analisar variações em torno disto: se o PS coligado com o CDS, se este último em aliança com o PSD, se um Bloco Central, etc.
Julgo que neste momento alguns leitores já estão a acompanhar-me. O que vai então mudar? Como é fácil reconhecer, e só negará quem fizer questão nisso, a mudança principal vai ser a rotação do pessoal político.
Existem em Portugal uns milhares de lugares que dependem de quem ocupe o poder político. São esses milhares de postos que são o alvo principal da colonização operada pelo socialismo da era Sócrates, na senda do que anteriormente outros fizeram. São uns milhares de cargos que é possível inventariar quase um por um acompanhando diariamente o Diário da República. A nível central e a nível regional, todos os leitores sabem perfeitamente ao que me refiro. Tanto as pequenas classes políticas locais como a classe política nacional sabem disto, e vivem disto. Em Bragança ou em Évora, quando muda o governo, nas sedes dos dois partidos principais fazem-se listagens com os lugares a preencher, e os candidatos a contemplar. Cada um tem os seus. Todos os organismos dependentes da Administração Central, desde a Cultura à Agricultura, da Saúde à Educação, passando pelos Governos Civis ou pela Juventude, mudam de imediato. Essa bolsa de empregos, que nos sítios citados pode perfeitamente rondar uns parcos cento e poucos tachos, é tão essencial à vida dos partidos referidos, ao nível local, como os tais milhares são indispensáveis para o aparelho central, nas imediatas vizinhanças do Terreiro do Paço.
E aqui temos a mudança que se perspectiva na generalidade dos discursos que nos enchem os telejornais: a rotação periódica do pessoal político.
O que implicitamente se tem em vista não é portanto nenhuma verdadeira alternativa política: é só alternância política. Nem é alternância de políticas, que estas previsivelmente hão-de manter-se, como se mantêm há muito, no essencial, com mais ou menos pormenor de maquilhagem. Ou alguém está convencido que as políticas da Dra. Ferreira Leite representaram ontem ou representarão amanhã uma diferença substancial em relação às políticas do Eng. Sócrates? Nem o mais ingénuo...
Assim chego ao ponto de onde parti. A situação não tem saída, dentro dos pressupostos em que assenta. Se os problemas de Portugal se resolvessem com o simples tirar de uns para pôr outros, que feliz seria Portugal. Mas não. O pessoal pode mudar, mas as políticas vão permanecer, as formas de exercer o poder vão continuar a ser as mesmas (como já eram). Não foi Sócrates que inventou a promiscuidade enttre o poder político e o poder económico, nem a indústria dos pareceres, nem o carrocel das empreitadas, nem os sacos azuis, as contas paralelas, as malas de dinheiro. A bancocracia, a parecerística, a dependência das grandes máquinas partidárias de financiamentos ocultos, hão-de manter-se depois de Sócrates, e com elas também as grandes obras e as grandes derrapagens.
A política de funil, que se encerra cada vez mais no círculo de interesses que tentei descrever, vai continuar, ou acentuar-se. O esquecimento do Portugal restante, também.
Importa recordar tudo isto quando assistimos a manifestações de descontentamento ritualizadas, que muitas vezes não exprimem mais do que uma aspiração impaciente - pela rotação, e não pela mudança.
Quem sonha sinceramente com mudança, não pode iludir-se com a rotatividade. Além de não trazer nada de novo, fica-nos caríssima. Quando uns já encheram a barriga, são substituídos por outros cheios de fome.

10 Comments:

At 1:54 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Já esse tubarão d'águas turvas, Soares (com o seu ar bonacheirão sàbiamente fabricado, porém a criatura mais cínica e oportunista que este país já conheceu), dizia há não sei quantos anos, numa "frase feita" por ele cìclicamente repetida, que acreditava na "alternância política" própria das "democracias". Pois pudera, não havia ele d'acreditar... Alternância política, claro, mas sempre dentro do mesmo grupo selecto, nunca por ninguém vindo "de fora", uma sua praxis seguida escrupulosamente desde o primeiro minuto após ter posto os pés nesta Terra acompanhado do bando dele, mas pensada muito tempo antes por outros cérebros ainda mais diabólicos, especialmente concebida para o exercício do poder nas "democracias". São as reais virtualidades de um sistema no qual os protagonistas governam (e governam-se, como é suposto) em circuito fechado, isto é secretamente. Só na aparência é que governam o país e desejam o melhor dos mundos para o povo... O país é dirigido de muito longe e o povo que se lixe. Pobre povo. Que mal terão os portugueses feito a Deus?
E o ciclo repetir-se-á em todas as eleições, nestas de que estamos a um passo e em futuras. E os estratagemas por detrás delas, igualmente.
Este é um processo contínuo que só terá um fim quando o povo português em uníssono disser BASTA.
Maria

 
At 2:03 da tarde, Blogger Manuel said...

E esperemos que ainda haja portugueses para dizer basta, o que já é optimismo.

 
At 2:56 da tarde, Blogger Nuno Castelo-Branco said...

Existe uma saída, mas tal coisa pressupõe o fim deste modelo constitucional. Duvido muito que os agentes políticos nisto estejam minimamente interessados...

 
At 3:02 da tarde, Anonymous Anónimo said...

A percentagem de abstenções e de nulos representa um número enorme de portugueses que, em vão, eleição após eleição dizem basta. Esta percentagem de portugueses é sempre menosprezada pelos comentadeiros cá do sítio. No fundo, muito poucos dos que 'aparecem' estão interessados numa verdadeira alternativa... A vida está difícil para todos. Diz-se.

Um abraço,

 
At 3:30 da tarde, Blogger Manuel said...

"A percentagem de abstenções e de nulos representa um número enorme de portugueses que, em vão, eleição após eleição dizem basta." ???
Lamento contrariar, mas essa é a percentagem dos que efectivamente dizem nada. Assim tem que ser interpretado, porque essa é a realidade. Logo, está certo o menosprezo.

 
At 5:47 da tarde, Blogger Diogo said...

Um Novo Paradigma político é urgente. É evidente. Há que enunciá-lo. Para mim, começa (não acaba mas começa) por mudar-mos, via referendo, para um regime presidencialista. Não é tão difícil como isso. Ao referendo sobre o casamento entre homossexuais, respondamos exigindo primeiro um referendo tendo por fim o regime presidencialista. O povo perceberá a importância do segundo face à inoquidade do primeiro para aquilo que lhes diz respeito. Regime presidencialista já!

 
At 7:44 da tarde, Blogger Miguel Vaz said...

Grande mensagem!

 
At 8:01 da tarde, Blogger manuel gouveia said...

Mudemos o centrão, enquanto votarmos nos "S" não nos safamos! Não mais CDS, PS ou PSD.

Tiremos o S do parlamento português!

 
At 9:42 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Caro amigo,
Tomei a liberdade de transcrever o seu excelente post.
Um grande abraço do norte Alentejano.

 
At 10:19 da tarde, Blogger Manuel said...

Sempre às ordens!
É uma honra para mim.

 

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