segunda-feira, fevereiro 02, 2009

O que é preciso é que ninguém se abstenha!

Hoje este espaço conta com a presença muito especial do Pedro Guedes.
Os frequentadores da casa sabem que se trata do bloguista do Último Reduto, mas nem todos estarão cientes da enorme dívida de gratidão que tenho para com ele. Desde que me lancei nestas lides blogosféricas, se houve um apoio constante e sem falhas com que sempre contei foi o de Pedro Guedes. A enorme disponibilidade e permanente vontade de servir que o caracteriza pode ver-se nessa capacidade extraordinária de fazer sentir-se um amigo de sempre quem não era mais que um desconhecido.
Desde há cinco anos e uns meses, portanto, que temos mantido diálogo por esta via. Hoje é uma continuação. Esta conversa versou sobre blogues, internet, política, Portugal e a Direita, entre coisas várias, não esquecendo os animais domésticos. Pode ter interesse para mais gente. Partilho-a por isso com todos os leitores, porque a generosidade e a franqueza com que ele me honrou a mim não é justo que as guarde só para mim. E faço minha a chamada que ele quis deixar no fim: que ninguém se abstenha, que de abstencionistas está o inferno cheio.

1 - Ter um blogue é como ter um animal doméstico. Se não o alimentarmos, morre. Será essa a explicação para a baixa esperança de vida que se verifica nos blogues?

- Explicações haverá várias, mas essa é uma analogia feliz até porque eu tenho blogue, dois cães e dois periquitos. Do mesmo modo que o cão requer algum carinho ou nos obriga a ir dar uma volta com ele de quando em vez, também o blogue pressupõe uma dose regular - diária, se possível... - de atenção, de gosto, de sacrifício, porque às vezes chove ou porque simplesmente estamos cansados e não nos apetece. Ora, aquilo que me parece que se verifica é que boa parte daqueles que resolvem iniciar um blogue o fazem de forma algo inconsciente, por mero impulso, um pouco como aqueles sujeitos que compram um cão porque num dado momento lhe acharam graça para o abandonarem sem piedade na véspera das férias seguintes. Em alguns casos, dá até a ideia de que existem autores de blogues que nem sequer gostam de escrever - o que, convenhamos, sendo espantoso não deixará de ser verdadeiro. Falamos de quem essencialmente se limitou a seguir uma moda, sem que na verdade exista um conjunto de ideias ou de valores minimamente organizado que pretendam transmitir. No fundo e para ambos os casos, a (falta de) real motivação não deve ser muito diferente.

2 - Apesar da sua elevadíssima taxa de mortalidade infantil, há blogues que sobrevivem. O "Ultimo Reduto" conta já cinco anos e alguns meses. Qual é o segredo dessa longevidade?

- Bom, para ser honesto comigo mesmo diria que o "Último Reduto" já teve um período em que não vivia - antes sobrevivia... Em todo o caso, diria que a própria ideia de sobrevivência, perante a falta de tempo do autor, já representa um esforço grande. Chego a envergonhar-me do estado comatoso a que deixei chegar o espaço, que nos seus bons tempos ousou demandar contadores de popularidade, blogómetros e coisas afins. De tal modo que aproveito até o espaço que o Manuel simpaticamente me concede para prometer um 2009 mais produtivo. Indo directamente à pergunta, o segredo é simples: nada se faz sem vontade, sem gosto e sem sacrifício. Também convém que se tenha alguma coisa para dizer e vontade de o transmitir em português legível. Com estas duas condicionantes, o resto vem por acréscimo. De qualquer modo talvez o segredo, se é que existe, esteja no seguinte: a mim sempre me deu muito gozo fazer viver o "Último Reduto".

3 - Notam-se diferenças entre a blogosfera portuguesa de meados de 2003 e esta de agora? Quais?

- Assim de repente, a primeira diferença que eu verifico é que em 2003 havia por cá poucos jornalistas - especialmente "jornalistas políticos"; com a entrada em cena destes, o nível geral desceu - e não me refiro apenas à qualidade da escrita. De resto e no fundo, o que sucedeu é que se em 2003, com algum esforço, era possível conhecer todos os blogues, a ferramenta entretanto se massificou com tudo o que isso implica de positivo e de negativo. Se bem que quanto à predisposição para aceitar novas ideias ou novas tendências a benevolência alheia se terá mantido no essencial. Eu recordo-me sempre que em 2003 havia dois ou três "tubarões" blogosféricos que escreviam: "já cá estão quase todos, só faltam os nacionalistas e os fascistas", mas que logo mudaram de opinião assim que estes últimos deram à costa. Ainda a freguesia ficava a saber que se conheciam de outros carnavais e logo se comprometia a promissora carreira...

4 - Diz-se que um dos motivos de atracção da blogosfera é a possiibilidade de qualquer um se esconder no anonimato. Eu diria que também vejo muitos que só se descobrem realmente no anonimato. Já sentiu esse fenómeno?

- Sim, concordo. Eu não simpatizo especialmente com o anonimato, confesso, mas da mesma forma que o confesso compreendo essa necessidade em todos os casos em que isso se justifique. E justifica-se em muitos, visto que em Portugal assumir aquilo em que se acredita, o que se diz ou o que se escreve custa muitas vezes contratos, postos profissionais ou bolsas de estudo. Conheço exemplos de pessoas que perderam nos três aspectos que referi antes apenas porque não pensavam "ao centro". Depois existe o reverso da medalha, aqueles que poderiam perfeitamente assinar com o seu próprio nome mas preferem um caminho distinto. É legítimo e, sobretudo, em alguns desses casos ficamos todos a ganhar. Talvez as pessoas se sintam mais livres e isso conduza a uma maior liberdade na sua actuação blogosférica.

5 - Que transformações estão a ocorrer na internet, e o que podemos esperar dessas mudanças?

- A internet muda todos os dias, mas neste momento podemos sobretudo identificar a construção e identificação de comunidades virtuais, essencialmente sociais ou de partilha. Os blogues também encaixam nessa lógica, mas uma correcta utilização da internet face a objectivos de grupo não pode negligenciar os vários fenómenos de "social networking". Sabendo que muitos dos visitantes do "Sexo dos Anjos" se interessam pelas novas formas de militância cultural e política, nomedamente em rede, eu permito-me chamar a atenção para a exploração deste tipo de mercados. Em todo o hemisfério norte isto é hoje completamente pacífico, mas em Portugal parece que as coisas estão um nadinhas mais atrasadas, salvo o BE que, na verdade, faz estas coisas com alguma aptidão. A vertente 'online' da última campanha eleitoral de Mariano Rajoy para as legislativas espanholas é um bom exemplo do correcto aproveitamento da internet para fins políticos.
Olhando a net num sentido mais geral e apanhando a boleia de um texto que li há não muitos dias e que apresentava números assustadores, será que o correio electrónico tal como o conhecemos existirá daqui por 4 ou 5 anos, resistindo a pressões cada vez maiores de 'spamming'? Talvez não, tal como aconteceu com o fax. Lá está. Será que as 'inbox' das comunidades de 'social networking' retirarão significativa quota de mercado aos tradicionais programas de correio electrónico? É provável que sim, com a ajuda de todos os interesses publicitários inerentes. É um mercado que vale muito dinheiro.

6 - Segundo estudos recentes, os portugueses seriam de todos os portugueses os mais descontentes com a política e os políticos. Todavia, os actores políticos são os mesmos há 30 anos, e as políticas também pouco mudam, sem que o falado descontentamento seja traduzido nas votações. Como se explica esta aparente incongruência?

- O sistema está muito bem montado, escrevi sobre isso há pouco tempo. E depois parece-me que os novos actores, ou aqueles que têm pretensões a isso, entram em cena por via de regra actuando em moldes que estão completamente ultrapassados. Resumindo: a lógica perversa sobre a qual está montado todo o sistema, e que é capaz de recorrer a manobras sujas para se sustentar no tempo (e não só), tem a colaboração de novos actores por regra pouco imaginativos. Acresce que esses novos actores não adoptam normalmente os caminhos que historicamente são garantia de êxito: uma actuação "gramsciana", uma aposta no combate estético e cultural, a transformação de mentalidades, a colaboração estreita com a sociedade civil. Os grandes combates estão cada vez mais fora dos partidos por si só.

7 - A blogosfera ainda continua a ser um espaço de afirmação possível para a Direita? O que falta fazer nesse campo?

- Correndo o risco de pegar em palavras difíceis, eu diria que é um espaço vital. Quanto ao que falta fazer e não sendo provavelmente uma opinião maioritária, creio que faz falta mais qualidade e menos quantidade, apostando em sinergias que a todos aproveitem. Salvo melhor opinião, o mercado blogosférico potencial da Direita - não se entenda aqui a rapaziada do Paulo Portas, do Vasco Rato, etc. - está muito mal aproveitado, com uma ou outra excepção.

8 - No mercado político nacional há um espaço para a Direita, ou falta ainda criá-lo?

- Há espaço, claro, não é preciso criá-lo, Mas é imperioso trabalhá-lo! E trabalhar um espaço faz-se lançando pontes, estabelecendo sinergias, falando para fora, esquecendo os umbigos. É isso que tem falhado, como creio que sabem todos os envolvidos.

9 - As energias disponíveis são mais úteis se aplicadas na organização política, partidária ou não, ou rendem mais se utilizadas noutras formas de militância?

- Parece-me que todas as energias dispendidas são úteis. Quem quiser fazê-lo num partido faz bem; quem pretender militar no combate pela defesa da vida estará certíssimo; quem quiser desenvolver actividade em órgãos locais está correcto; quem entender poder servir melhor numa editora, óptimo; se alguém pensa que é publicando uma revista que se consegue algo, excelente; se outro crê que é na internet que pode fazer a diferença, cinco estrelas. Importante é que não se atropelem uns aos outros e que saibam manter relações mínimas de civilidade, em nome do Bem Comum. Todos juntos, criariam a tal "área nacional" de qua tanto se fala mas de que pouco se vê.

10 - Se a nação é um plebiscito quotidiano, não teremos neste momento razões para temer que os portugueses tenham deixado de querer ser portugueses?

- Os portugueses estão muito conformados, anestesiados tal e qual a esmagadora maioria dos europeus - basta passarmos dois ou três dias de trabalho em Madrid para verificarmos o mesmo fenómeno. Foram-lhes vendendo mais Europa sem que nunca tenham podido fazer uma cruz num papel sobre o assunto. Mas eu penso que isso não quer dizer que tenham deixado de querer ser portugueses, significa apenas que foram sendo educados para um individualismo que os leva a colocar Portugal, a sua independência e soberania, num patamar inferior da sua escala de valores. Pelo menos para já, parece-me que é uma marcha que pode ser invertida, assim se mobilizem aqueles que estão conscientes do diagnóstico. Que se mobilizem e que não passem então o tempo a fazer 'check-lists' daquilo que os separa.

11 - Leu o ensaio de Jean-Yves Le Gallou "Douze thèses pour un gramscisme technologique "? O que lhe sugere, pensando na nossa realidade?

- Parece-me lindamente, embora a avaliar pelas reacções me pareça que foi pouco lido pela nossa gente. É pacífico que a internet é nos tempos que correm a única ferramenta que permite a ideias não-conformistas obter alguma eficácia na transmissão da mensagem, a única que permite contornar o total bloqueio mediático que nos é imposto, a única que permite que seja passada uma imagem diferente da caricatura diabólica que se pretende fazer passar na imprensa tradicional. É por isso essencial que se use cada vez mais, que se observem as suas potencialidades e que todas elas sejam aproveitadas. Ainda para mais, a internet permite que toda a gente a aproveite, com inteligência, sem obrigações "pesadas": nem toda a gente tem que alimentar um blogue, isso não é tão importante quanto se pensa. Quem realmente gosta da ferramenta é bom que a utilize mas usá-la por obrigação ou por impulso é provavelmente errado e obtém efeitos contrários aos desejados. Mas quem por exemplo não gosta de escrever ou não se sente bem a falar para fora na blogosfera, já não terá grande desculpa para não usar ferramentas como o Facebook ou o HI5. A internet permite essa coisa fantástica que é a possibilidade de todos terem o seu público e se sentirem no seu próprio meio, consoante a idade ou os interesses, podendo em cada um desses postos ser de grande utilidade para causas comuns. Que ninguém se abstenha!

6 Comments:

At 11:03 da tarde, Blogger Diogo said...

Como bloguista muito recente que sou (não mereço sequer a designação), as v/ reflexões sobre este, para mim, mundo novo, são extremamente úteis. A minha motivação passa por ver no blogue um escape. O poder dizer aquilo que penso e que não digo, pelo menos tanto quanto gostaria, por razões que se prendem com o que referem no post, e que tem a ver com o tal politicamente correcto e, pior, "politicamente" aceite.

 
At 10:49 da manhã, Anonymous Anónimo said...

http://ultimahora.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1358534

 
At 3:38 da tarde, Blogger nonas said...

Este comentário foi removido pelo autor.

 
At 3:40 da tarde, Blogger nonas said...

Excelente entrevista pelo seu nível. Estão de parabéns o entrevistador e o entrevistado que me surpreendeu que não falasse na Cruz de Cristo e no Belenenses!

 
At 3:02 da tarde, Anonymous Anónimo said...

A mim também! Por isso, e só por isso, não posso afirmar que a entrevista está estupenda!

 
At 9:54 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Parabéns, talvez prosaico, mas bem hajam! Ao fim de anos, saber que se mantêm as vontades, como estátuas vivas, mas de rocha.
Os micróbios, nós todos, levaremos a melhor sobre o monstro.
Um grande abraço! A RECONQUISTA? Uma questão de tempo.

 

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