terça-feira, novembro 25, 2008

"Do Portugal Profundo" - a paixão da verdade e da justiça

O blogue "Do Portugal Profundo" assinala os seus cinco anos com uma festa, em Alcobaça, para a qual convida os seus amigos. Quem diz "Do Portugal Profundo" diz António Balbino Caldeira, o professor alcobacense que lhe deu corpo, e alma. Foi também por isso, pelo aniversário, mas sobretudo pelo seu longo combate, pela sua capacidade para resistir e persistir, tão arduamente demonstrada nestes cinco anos, que quis fazer-lhe esta entrevista, que é também uma homenagem. Embora possa não o parecer, a quem repare só na impertinência das perguntas, é realmente uma homenagem. A um homem que a cada dia se me revela um homem de virtudes teologais- um homem de fé, um homem de esperança, e a quem não falta a caridade (como se constata nas suas respostas).
Eis então o diálogo. No sábado que vem, será a festa de aniversário.


1 - Promove no próximo dia 29 uma festa de comemoração dos cinco anos do blogue. Que razões tem para comemorar?
- Teria nenhumas e tenho todas. Nenhumas porque não sou masoquista e desagrada-me o sofrimento e dos meus. Todas porque tenho durado e vencido as ciladas do sistema.
2 - Como se sente após o seu calvário judicial? Valeu a pena?
- O calvário judicial não foi decisão minha. Foi imposto, teve custos. A satisfação nem sequer é da vitória: quatro processos-crime colocados contra mim (um do MP por desobediência a um despacho judicial que proíbia a divulgação de peças processuais do caso Casa Pia a jornalistas e a que só tive autorização de aceder no dia da minha absolvição; dois colocados pelo dr. Paulo Pedroso, que terminaram um arquivado e outro com desistência do próprio; e um de José Sócrates por causa do Dossiê que terminou também arquivado), além de outro cível que coloquei contra Paulo Pedroso e o irmão João Pedroso e no qual acabaram condenados. A satisfação é da honra de não ter traído o sofrimento dos jovens abusados nem do povo; e do firmar de uma posição irredutível em defesa das crianças, da dignidade e da humanidade, da verdade e da justiça, num tempo de pusilanimidade.
3 - O processo Casa Pia há-de um dia chegar ao fim. Parece-lhe mais provável que o fim seja por prescrição, por absolvição geral ou por condenação? E nesta última hipótese, alguém além de Carlos Silvino?
- O processo da Casa Pia não chega ao fim agora. Um dia se conhecerá a verdade e se libertará o Estado desta indignidade.
4 - Pela sua experiência parece-lhe que a imprensa tradicional vive bem com a blogosfera, ou mantém com esta uma relação difícil? Porque será?
- Como em todas as profissões há duns e doutros. Creio que é a relação habitual, transmutada, do jornalista com as fontes e com os comentadores, sob a dependência dos editores de confiança do poder num país cada vez mais pobre. Todavia, creio que o jornalismo português, apesar do controlo editorial promíscuo, precisa de evoluir muito em termos éticos, no rigor, na referência e na citação.
5 - Se fosse engenheiro queria ser um engenheiro como António José Morais ou um engenheiro como José Sócrates?
- Se fosse engenheiro, gostaria, socraticamente, de ser um engenheiro moral.
6 - Imagina mais facilmente José Sócrates como Ministro do Ambiente de Manuela Ferreira Leite ou esta como Ministra das Finanças de José Sócrates?
- Não desejo tal castigo à dra. Ferreira Leite e acho que não incorrerá nessa pena. Nem forçada.
7 - Que avaliação fazem os professores dos seus sindicatos? São melhores do que a Ministra?
- Os sindicatos seguem as ordens dos partidos em vez de defenderem a corporação dos professores. A ministra já era...
8 - Pensando no imediato: caso estivesse na sua mão que medidas tomaria para acalmar a situação nas nossas escolas e criar as condições para encontrar um rumo?
- Além de demitir os responsáveis pelo descalabro das escolas? Libertar o ensino da burocracia; racionalizar programas; reempossar os professores na função digna de ensinar, disciplinar as escolas; avaliar mesmo os alunos. Um program de sensatez bastaria para a recuperação.
9 - Foi recentemente noticiado que a língua portuguesa representa 17 % do PIB. Trata-se portanto do activo nacional com maior peso relativo. Os internautas portugueses podem com a sua acção na rede global tornar-se eles mesmos instrumentos de valorização dessa realidade? E o Governo?
- A internet portuguesa representa a parte mais dinâmica da sociedade. Não creio que essa parte - além do Hi5 e dos canais de conversação - interessem mesmo ao Governo. Por exemplo, os blogues são vistos como perigosos para a manutenção do sistema. Sinto que há uma distância muito grande em termos de preocupações públicas entre Portugal, o Brasil e os países africanos de língua portuguesa. A internet é uma ferramenta muito mal explorada para a comunhão inter-cultural necessária para a valorização do património comum.
10 - Tem insistido no apelo à mobilização e intervenção cívica dos cidadãos. Com que objectivos? Sente que há lugar para a esperança?
- Mais democracia. Reformar a democracia representativa, instituindo a democracia directa. Sinto que quando mais difícil é a situação do País mais se torna útil a esperança activa.
11 - Qual o papel da blogosfera nesse combate cívico? Terá força para ultrapassar a inércia e os bloqueios situacionistas?
- Os blogues portugueses são faróis da esperança de liberdade e de democracia real - porque criam e difundem informação e geram contactos. Mas constituem também um estádio inicial de evolução democrática que terá de ser seguido pela intervenção construtiva e tangível na política nacional.

1 Comments:

At 1:21 da manhã, Blogger António Balbino Caldeira said...

Obrigado, Manuel pela gentileza do elogio. Imerecido. Mas como o creio de boa-vontade - ainda mais quando é feito com certeza da distância ideológica.

 

Enviar um comentário

<< Home