quinta-feira, outubro 02, 2008

As casas da oligarquia lisboeta: causa finita?

Cerca de três mil e duzentas casas são muitas casas. Pensando bem, corresponde a uma pequena cidade com dez mil habitantes. Para um país com o tamanho do nosso, não é nada pouco. Este cálculo ajuda a compreender a importância do fenómeno falado nos últimos dias, ou seja a atribuição das habitações pertencentes ao chamado "património disperso" da Câmara de Lisboa. Para comprender melhor ainda basta lembrar que tudo se passa apenas em Lisboa, onde as tais 3200 casas e a sua distribuição arbitrária dão origem a um poderoso bloco, heterogéneo mas cúmplice, formado pelos milhares de beneficiários e seus relativos.
Deste modo se percebe que a prática instalada se venha prolongando, desde há décadas, sem que ninguém, em nenhumas oscilações do poder municipal, tenha tentado verdadeiramente pôr-lhe fim. Como pode observar-se, o sistema foi beneficiando de igual forma gente do PS e do PSD, como também pessoal afecto ao PCP ou ao CDS, e atrás deles um sem número de exemplares daquela fauna variada que costuma aparecer com os políticos em alturas de campanha eleitoral (uns artistas, uns gestores, uns jornalistas, associações disto e daquilo). O mais interessante é constatar que de entre os que passaram pela CML nunca houve quem tirasse: todos deram, mas seguiu-se uma regra não escrita segundo a qual não se tirava nada a ninguém. Os recém chegados aos lugares de topo no município e os novos beneficiários entendiam tacitamente que era chegada a vez deles, mas nada de beliscar os "direitos adquiridos".
Entende-se perfeitamente este funcionamento do esquema pela impossibilidadede de agir de outra forma. Quem mexesse nas regras em causa perdia as eleições seguintes, garantidamente, isto se resistisse até lá (o mais provável era que fosse trucidado antes, pelas tempestades políticas que de imediato lhe surgiriam de todos os lados).
Basta olhar uma notícia sobre qualquer evento importante associado à CML para ver que rodeando os transitórios decisores lá está uma chusma de apoiantes indispensáveis, desde os assessores, técnicos e funcionários superiores até aos intelectuais de serviço, escritores, pintores, actores de telenovela, sem os quais não se consegue passar politicamente, e todos mais ou menos felizes com o "património disperso" da CML. Até os nomes dos fazedores das notícias se situam entre os contemplados. Como desfazer este nó?
Há uma casta, omnipresente e poderosa, transversal aos partidos do poder, e que os atravessa e ultrapassa, que está convencida de ter direitos especiais e habituada a usufruir das correspondentes benesses. Resistirá como puder, mobilizando solidariedades insuspeitadas.
(Um estudo sobre os beneficiados com este parque imobiliário revelaria uma coincidência nada surpreendente com certos grupos também beneficiados habitualmente por outras formas, como são exemplo a distribuição de subsídios ou de empregos públicos).
É também por isto que se torna fácil prever o destino desta polémica. Aliás, basta percorrer a imprensa escrita, ou estar atento à outra, para verificar a pouca atenção, ou o incómodo, com que tem sido (ou não) abordada esta questão. Até na blogosfera o assunto tem sido tratado, diga-mo-lo claramente, quase exclusivamente por aqueles que não têm qualquer pretensão a ser aceites no mainstream, e a quem não incomoda o seu estatuto de marginalidade política.
O tema vai cair, e tudo vai ficar na mesma.