quarta-feira, agosto 13, 2008

Geórgia

O tempo dos impérios, afinal, não dá mostras de ter passado. É capaz de ser como aquele famoso escritor para quem as notícias sobre a sua morte se afiguravam grandemente exageradas.
Os acontecimentos do Cáucaso assemelham-se cada vez mais a uma demonstração do poder imperial. A Rússia quer lembrar ao mundo que é preciso contar com ela, nestes tempos em que uns monopolizavam as suas atenções no império global e outros na China emergente.
Perante esta realidade, do grande urso arrumando o seu quintal, tornou-se risível e patético o discurso americano apelando ao respeito dos princípios: a soberania dos Estados, a integridade das fronteiras... Nisto vem ao de cima a pequenez dos homens que estão colocados à frente dos destinos do Ocidente. Vogando ao sabor dos oportunismos e das oportunidades, sem princípios nem ideias, vêem-se na contingência de constantemente dizer hoje o que negaram ontem, para voltar a proclamar amanhã o que negam hoje.
Soberania, inviolabilidade das fronteiras internacionalmente reconhecidas, respeito pela integridade territorial dos Estados... Como tudo isto terá soado trágico e irónico em tantos cantos do planeta (não só na Sérvia ou no Iraque!). As grandes potências também caem assim: quando deixam de respeitar-se e tornam impossível aos outros respeitá-las.
Insólito é também o espectáculo daqueles que ainda recentemente gritavam horrorizados contra a mutilação da Sérvia e agora aplaudem compreensivos a "libertação" da Ossétia do Sul das garras dos temíveis georgianos... pelos valentes e generosos soldados moscovitas!
Também para estes o respeito pelas soberanias e pelas fronteiras, ou o princípio da integridade territorial, não são mais do que bandeiras de conveniência, que se agitam ou se escondem conforme o momento.
Estes acontecimentos, do meu ponto de vista, ferem de morte, definitivamente, a credibilidade do "eurasismo", cuja presença já tinha aqui assinalado em certos meios políticos europeus. Como ressalta das posições de Alexandre Douguine, trata-se apenas de estratégia imperial russa. E os seus seguidores na pequena península europeia são tão só colaboradores dessa estratégia imperial. Usam a hostilidade a um amo apenas para trocar de amo.
O que está a passar-se explica-se à luz da geopolítica, e não vale a pena esconder ou escamotear essa realidade.
Desgraçados estão os georgianos, como estão os tchetchenos (vítimas de um evidente genocídio que ninguém nega mas a que ninguém está em condições de acudir), como estão os restantes povos da área de segurança definida pelos responsáveis da Grande Rússia.
Com o seu saber de experiência feito, os lideres da Polónia, da Ucrânia, da Letónia, da Lituânia e da Estónia tiveram o único gesto gesto grande e digno desta triste história, ao deslocarem-se à Geórgia para manifestar ao vivo a sua solidariedade. Eles sabem do que se trata. E sem muitas palavras tentaram explicar tudo.

1 Comments:

At 11:08 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Magnífico postal, que resume bem todas as incongruências das tomadas de posição pseudo-nacionalistas. Interesses e só interesses - assim se resume a geopolítica coeva, o resto são contos da carochinha para iludir tolos.

 

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