segunda-feira, dezembro 31, 2007

Meditações de Fátima

Olhando a nova e a antiga igreja de Fátima ressalta a diferença dos perfis. Uma eleva-se para o céu, a outra agarra-se ao chão. Dei por mim a pensar como isto pode expressar a diferença entre a religião dos homens que construíram as catedrais e a religiosidade destes que dirigem estas construções modernas. Uns tudo faziam a pensar no céu, estes não têm lugar no seu espírito para nada que ultrapasse o plano das coisas da terra. Conta-se daqueles operários que se esmeravam nos cimos das grandes catedrais góticas a esculpir rendilhados de pedra, que ninguém poderia jamais observar da terra, que ao ser-lhes perguntada a razão respondiam muito simplesmente que lhes bastava que o seu trabalho pudesse ser visto do céu.
É perturbante a diferença da atitude religiosa que domina o Ocidente cristão dos tempos actuais e aquela que fez a cristandade gloriosa. Dantes os homens pensavam em Deus para se moldarem à vontade d'Ele; agora os que ainda se dirigem a Deus é frequentemente para lhe exigir que Ele faça a vontade deles; e zangam-se quando o Criador não lhes faz o jeito. Querem pouco mais do que um Deus prestador de serviços.
Entre as pessoas que iam saindo da nova igreja distingui duas impressões. Alguns pareciam-me confusos e desabafavam algo sobre aquilo não se parecer nada com uma igreja. A outros ouvi dizer que era muito bonito, muito moderno. Nestes últimos, por sinal jovens, não era difícil notar que a apreciação nada tinha de religioso, muito menos de católico. Tratava-se de um critério crítico que se aplica indistintamente naquela construção como no estádio da Luz, na estação de Metro do Terreiro do Paço, na Ponte Vasco da Gama ou no Centro Cultural de Belém. Grandes obras de arquitectura e de engenharia, na verdade notáveis a vários títulos. Nas outras pessoas, as que desabafavam que ali não encontravam uma igreja, nem viam um crucifixo na gigantesca cruz plantada ali ao lado (e que faz lembrar pelo material utilizado e pelo despojamento estético a grande árvore de ferro erguida por Jorge Vieira em frente ao Centro Comercial Vasco da Gama) subsiste, ainda que inconsciente ou pouco esclarecida, a ideia de que existe uma arquitectura sagrada, e que o espaço do culto segue regras que o tornam reconhecível (um arqueólogo, mesmo positivista, procurará em qualquer local que escave os significados que o identifiquem como um lugar religioso para aqueles que o construíram e usaram).
Neste sentimento difuso permanece um resquício do que foi uma religião. Mas neste ponto, do esvaziamento, lembro-me inevitavelmente de René Guénon, quando evoca a decadência e a queda do que chama de Ocidente. Sinto-lhe os acertos, mesmo quando não o posso acompanhar. Não acredito na oposição que ele estabeleceu entre Oriente e Ocidente, nem creio que as "sociedades tradicionais" resistam a Oriente ao contrário do que aconteceria a Ocidente. A meu ver, o impulso da modernidade implica no mundo a que Guénon se referia como Oriente as mesmas consequências que trouxe a Ocidente. Obviamente que de forma diferida, com atraso, por força do movimento histórico, e com mais ou menos convulsões, mas a maré homogeneizadora não deixa lugar a ilusões desse tipo (mesmo escrevendo há oitenta anos penso que Guénon não deveria ter-se deixado embalar nessas miragens). O Islão desfaz-se, o Hinduísmo desfaz-se, e o Budismo só vive no Ocidente carente de exotismo. E fiquemos por aqui, que a viagem já vai longa.
Espero ter alguns leitores que me leiam. As pessoas que julgam que uma missa é uma assembleia, e que uma grande sala de conferências substitui perfeitamente uma igreja, não podem certamente compreender do que falo. Restam os outros.

A economia é que manda?

João César das Neves, no DN:
Hoje, quando o materialismo dialéctico está na estante das teorias clássicas, ainda há muita gente que, mesmo abominando o comunismo, continua a aderir inconscientemente ao seu postulado mais básico.

domingo, dezembro 23, 2007

Para todos vós, um Bom Natal

sexta-feira, dezembro 21, 2007

Tradição e Modernidade

Jorge Azevedo Correia, na Alameda Digital:

"Edmund Burke, apoiado numa concepção clássica do Homem e fazendo apelo a uma concepção de Bem assente nas premissas da Civilização Cristã, denunciou a Modernidade como a tentativa de destruir os fundamentos da Justiça e criar uma sociedade em que o Bem e o Mal se encontram nos desejos dos indivíduos. Onde o limite da comunidade se encontra nos indivíduos e não em normas mais elevadas e inacessíveis aos desejos dos membros, rapidamente degenera em tirania dos mais fortes ou das maiorias."

O lugar dos solitários

"A Escola de Filosofia Portuguesa é o lugar de solitários, disse o autor deste texto na conferência “Filosofia Portuguesa hoje” que decorreu na Biblioteca Municipal de Sesimbra no dia 24 de Novembro. O orador suspeitava que as suas palavras o deixariam ainda mais solitário. Assim foi: ao silêncio sobre as interrogações a propósito da nova geração da filosofia portuguesa sobreveio o argumento ad hominem, num estilo pouco comum no debate de ideias. Hoje, o autor dedica as suas palavras a Álvaro Ribeiro e Orlando Vitorino. "

Nem no Natal

Hoje lembrei-me irresistivelmente de Gustavo Corção, nas suas investidas contra certos "bispos modernistas ou simplesmente modernos que querem fazer da Igreja uma barraca atraente, agradável, divertida" - ao ler esta peça do Semanário.
"O que é que Jesus Cristo hoje denunciaria?" - interroga-se preocupado o hebdomadário. E para encontrar respostas nada melhor que perguntar às sumidades da igreja lusitana: Frei Bento Domingues, D. Carlos Azevedo, padre Carreira das Neves, padre Feytor Pinto, D. Januário Torgal Ferreira, D. Manuel Clemente, padre Peter Stilwell, padre Vaz Pinto. Uma espantosa galeria. E não faço comentários sobre os entrevistados para não pecar mais. Desafio os leitores a ler as respostas. Julgam que tão altas personalidades se insurgiram contra o teor da pergunta, fazendo notar que o Salvador não era um vulgar "denunciante"? Pois desiludam-se, todos se afadigaram a tentar explicar o que faria e diria hoje Jesus Cristo se por aqui andasse como eles andam (e pelos caminhos deles).
Para D. Carlos Azevedo, Jesus "seria ecologista e denunciava a corrupção". Para o Padre Carreira das Neves, "denunciaria a guerra do Iraque e o terrorismo religioso islâmico em nome de Deus". (Uma espécie de Michael Moore, de túnica, mais magro e sem óculos). Ah, e Jesus Cristo também "teria uma "política" diferente da normal católica em relação aos divorciados e aos ministérios ordenados das mulheres."
O Padre Peter Stilwell diz qualquer coisa confusa segundo a qual "entender como irmãos todos os povos colide com os interesses de grandes e pequenos poderes económicos e financeiros"(!!!).
Por seu turno, D. Januário Torgal Ferreira lembrou-se com preocupação que "hoje o catolicismo tem nas suas franjas sectores fundamentalistas contra os quais Jesus Cristo se poderia insurgir".
Frei Bento Domingues observa argutamente que a Igreja são os cristãos - e que "a hierarquia é apenas uma hierarquia de serviços" (!!!) e que "os pronunciamentos, as atitudes, os gestos que nos colocam ao lado dos excluídos pelas religiões, pelas sociedades, pelas economias e pelas políticas, de cada país e de cada continente, têm toda a probabilidade de serem reconhecidos por Cristo".
A sensatez ainda aflorou na boca de Frei Bento Domingues ("é perigoso que alguém se tome por Jesus Cristo para fazer as suas denúncias; (..) importa (...) abolir de vez a tentação de colocar na boca de Deus ou de Cristo o que são interpretações nossas") mas o próprio nem reparou e lá prosseguiu alegremente a fazer o que parecia reprovar.
Nosso Senhor Jesus Cristo é que não teve direito à palavra.
Surge-me ao espírito outra citação de Gustavo Corção: "O espetáculo oferecido ao mundo pela gente de Igreja é apavorante, e, muito mais grave do que uma preferência às coisas temporais e exteriores, os padres e bispos secularizantes foram compelidos a rejeitar a vida interior, a vida espiritual, o Sangue de nossa redenção. A Igreja de Cristo foi rejeitada em benefício de Outra. E é esse adultério espiritual que nos autoriza a repetir aquela sinistra simetria: “Os apóstolos deixaram tudo para seguir Jesus”; os modernos homens dessa Outra Igreja “aceitam tudo para não seguir Jesus”.
"Poor Portugal" !!!!

Penser l'écologie jusqu'au bout


"Peut-il y avoir une croissance infinie dans un monde fini? Dégradation du milieu naturel, pollutions, épuisement des ressources naturelles, l'actuelle civilisation industrielle ne pourra s'étendre à l'ensemble de la planète. Le «développement durable» ne fera que retarder les échéances si l'on ne rompt pas avec la logique du «toujours plus» et de la recherche permanente des profits financiers."
(O mais recente livro de Alain de Benoist. Lembrei-me dele ao passar por casa do Rui Albuquerque).

quinta-feira, dezembro 20, 2007

Antília Editora

Bons livros a bons preços: agora pode comprar pela net.
António Manuel Couto Viana, João de Castro de Mendia, Paulo Dias, Bruno Oliveira Santos, Reinhard Schwarz, Rodrigo Emílio...
Neste Natal, lembre-se da Antília Editora.

quarta-feira, dezembro 19, 2007

Modernidade

De Carlos Bobone, na Alameda Digital:

Fernando Pessoa, em dois curtos e incisivos ensaios, “O Provincianismo Português” e “O Caso Mental Português”, datados de 1928 e 1932, classificava a mania da modernidade como um sintoma de inferioridade mental, de “provincianismo”. Segundo o poeta da “Mensagem”, o provinciano é aquele que pertence a uma civilização sem tomar parte no desenvolvimento superior dela. Segue-a, pois, “mimeticamente, com uma subordinação inconsciente e feliz”. O provinciano não vê luzes e sombras, pontos altos e pontos baixos na civilização de que se quer mostrar parte integrante. Limita-se a admirá-la sem limites, a pasmar das coisas que vê, como quem as não produziu. Enquanto o verdadeiro civilizado vive dentro da civilização com a naturalidade de quem a usa, de quem a produz, sem se admirar, sem a ambição de a absorver servilmente, o provinciano manifesta uma admiração sem reservas pelas grandes cidades, pelas ideias de progresso e de moderno. “Os civilizados criam o progresso, criam a moda, criam a modernidade; por isso lhes não atribuem importância de maior. (...) O provinciano, porém, pasma do que não fez, precisamente porque o não fez; e orgulha-se de sentir esse pasmo. Se assim não sentisse, não seria provinciano”.

Toponímia Eborense

Tal como já tinha feito quando do aparecimento do primeiro volume, é com muito gosto que informo que já está nas livrarias o segundo volume do livro "Da Toponímia de Évora", da autoria de Afonso de Carvalho.
Na sequência do anterior ("Dos meados do séc. XII a finais do séc. XIV"), este volume é dedicado ao século XV.
A cidade deve estar grata a Afonso de Carvalho. E sobretudo interessar-se pelo livro - quantos têm gosto pelos temas históricos ficarão surpreendidos e fascinados: puxando pela toponímia vem tudo....
A obra é editada pelas Edições Colibri, e tem os patrocínios da Delegação Regional da Cultura do Alentejo, da Câmara Municipal de Évora e da Fundação Eugénio de Almeida.
Importa sublinhar que se trata de um trabalho excepcional, fruto do labor de muitos anos, que vem colocar definitivamente Afonso de Carvalho na linha dos grandes vultos que a Évora e aos estudos eborenses dedicaram as suas vidas e o seu saber.

SOLILÓQUIO

Julgar-se tudo é vaidade,
Pedir demais é loucura.
Os homens nunca são anjos
Mas céu e barro à mistura.

Mas será pedir demais
Um pouco mais de atenção,
Um pouco mais de humildade
E um pouco de coração?

Um pouco mais de desejo
De subir a grande altura?
Os homens nunca são anjos
Mas céu e barro à mistura...

Pois que sejam mas que tenham,
Ao menos, boa vontade,
Mesmo em caminhos de lama
Que podem ir à verdade.

E sonhos deslumbradores
Nas mãos mudadas em asas
E os olhos feitos estrelas
Nos corações feitos brasas.

E ânsia de chegar ao Sol
E ofuscar a sua luz.
Se o coração não quiser
Não basta o Sinal da Cruz.


FRANCISCO VENTURA

Les uns et les autres

Como se sabe, o Dr. Cunhal escreveu sobre "a superioridade moral dos comunistas". Na minha mocidade o livrinho era leitura obrigatória para toda a rapaziada afecta ao partidão, e todos saíam dela muito confortados espiritualmente, satisfeitos e orgulhosos nas suas convicções. Ao conjunto das convicções preexistentes somava-se essa, a da superioridade moral dos camaradas. O que isso significava em elevação da fé, e no ânimo da adesão, calcula-se.
Obviamente que essa convicção da "superioridade moral" dos nossos traz em si o reverso, a da inferioridade moral dos outros, mas esse lado das coisas só se torna visível em época de rescaldo e desilusão. Enquanto durar a chama, os outros serão sempre moralmente inferiores - e merecerão amplamente o que de mal lhes possa acontecer, que não representará mais do que a justa retribuição do seu estado de pecado.
Parece-me escusado dissertar sobre as consequências a que este quadro conduziu.
O que queria dizer é que frequentemente penso nisso, sobretudo para rememorar que nunca, mesmo nos meus tempos de mais acesa militância política, me deixei contaminar por convicção semelhante. Nunca me pareceu que os meus fossem necessariamente seres moralmente superiores. Não eram, havia de tudo, e nunca deixei de observar isso, com lucidez desencantada, mesmo que com o preço da tristeza.

terça-feira, dezembro 18, 2007

Spes Salvi

A nova encíclica do Papa Bento XVI, "Spes Salvi", analisada na Casa de Sarto.

Sobre Pitirim Sorokin

Da Alameda Digital:


Sorokin adianta o raciocínio seguinte: a sociedade moderna está numa fase de transição, situando-se entre o fim de uma época e o começo de outra, enquanto os fundamentos e as estruturas do nosso sistema cultural de valores entram em decomposição. As pessoas não estão já convencidas, observa ele, que os amanhãs serão “maiores e melhores”; as pessoas não acreditam mais na “marcha do progresso” que não parará nunca e nos trará a paz, a segurança e a prosperidade. A sociedade “sensorial” desintegra-se e os sintomas dessa deliquescência são inúmeros.
O espírito que se desprende da arte, da música e da literatura contemporâneas, escreve Sorokin, “concentra-se sobre as morgues das centrais de polícia, sobre as proezas dos criminosos, sobre os órgãos sexuais, e interessa-se principalmente por tudo o que releva das fossas e esgotos da sociedade”, porque não há mais ideais vivos para o inspirar. Os princípios da ética e do direito afundam-se sob os nossos olhos, lançando numa terrível confusão mental e moral os homens de governo e os julgadores, tal como enormes massas humanas, todos perdendo a capacidade de distinguir claramente entre o bem e o mal, entre as coisas que reforçam os laços que mantêm a sociedade em harmonia e segurança e, por outro lado, as coisas que contribuem para a sua dissolução. Enquanto a criminalidade atinge patamares inauditos, os tribunais estão cada vez mais obcecados com os chamados direitos dos criminosos e dos psicopatas, enquanto que os direitos dos cidadãos comuns, obedientes às leis, são tratados com desprezo e calcados aos pés. Pior: a humanidade e a especificidade humana são negadas. Em lugar de se posicionar como uma criatura criada à imagem e à semelhança de Deus, passa a definir-se o homem, comenta Sorokin, como “um organismo animal, um conjunto de reflexos mecânicos, uma variável nas relações estímulo/resposta, ou, para a psicanálise, como um saco cheio de líbido fisiológico”.
Naturalmente, numa sociedade onde tudo vai e vem e onde nada é estável nem sólido, as crises acumulam-se, atingindo tudo e todos. “Vamos então admirar-nos, diz Sorokin, que, mesmo que muitos não compreendam nitidamente o que se passa, tenham pelo menos um vago sentimento que a questão não reside simplesmente na “prosperidade” ou na “democracia”, ou noutro conceito idêntico, mas em qualquer coisa que envolve “o conjunto da cultura sensorial contemporânea, da sociedade que ela gera e dos homens que ela determina? Se esta massa humana não compreende as implicações pela análise intelectual, ela apercebe-se, com acuidade, que se encontra dolorosamente presa nas grilhetas que constituem as vicissitudes do nosso tempo, sejam os homens reis ou operários”.

Delírios liberais

"O que as pessoas fazem com a sua vida, rendimento e propriedade é com elas"?
Confesso que ouvir estes e outros mimos do estilo me causa uma sensação de desconforto. Arrepia-me. As pessoas somos nós e são os outros, e não consigo senti-los como algo vago ou abstracto. O pensamento expresso na frase citada, com mais ou menos elaboração, não ultrapassa o nível do egoísmo mais brutal e primário: cada um que trate de si, e ninguém tem nada com isso. De um golpe afasta-se qualquer noção de responsabilidade social, ou simplesmente de responsabilidade individual.
O que as pessoas fazem com a sua vida pode ser destruí-la, ou destruir a alheia; e muitas vezes basta um gesto nosso para mudar o destino de alguém. O nosso gesto desprezou a liberdade do que estava à beira do precipício? Certamente, e ele nos agradecerá por o termos respeitado mais a ele do que à sua liberdade. O que cada um faz com o seu rendimento e propriedade é assunto exclusivamente seu? Só seu? Não falando nos que não têm nem rendimento nem propriedade para ser considerados em tal filosofia, não será certo que o que cada um dos que os têm faz desses bens conta decisivamente na vida de todos?
O que vejo em letra de forma, como se pensamento fundamentado fosse, é apenas uma atitude. A cruel indiferença que corrói o que resta da nossa humanidade, erigida em máxima pretensiosa. O conformismo autista dos instalados a insurgir-se contra o que ameace o sossego das digestões. É, aliás, o espírito do tempo, por vezes pintado com cores de falsa irreverência.
Matem-se, droguem-se, embebedem-se, prostituam-se, vendam-se por aí em mercado livre.... Ninguém tem nada com isso...!!!!
Qual é o mundo que nos oferecem os delírios liberais?
Os católicos que também abundam na blogosfera, e sobretudo aqueles que dizem acumular uma e outra condição, não terão nada que dizer a semelhante liberalismo?

segunda-feira, dezembro 17, 2007

Crendices

O que move os homens é a busca da felicidade?
Manifesto desde já que não me sinto capaz de dizer o que move os homens. É frequente cada um não saber o que o move a si, quanto mais aos outros. A experiência mostrou-me que os homens se movem pelos mais surpreendentes e insondáveis impulsos, e desisti de tentar encontrar alguma lei que mesmo defeituosamemente possa traduzir essa realidade. Os homens vivem, e agem. São infinitamente complexos, e surgem a cada passo situações em que não se encontra explicação satisfatória para as suas acções.
Seja como for, dizer que se movem em busca da felicidade, todos e sempre, apesar da ousadia da afirmação, não tem nenhuma utilidade explicativa se não se souber antes o que se quer dizer com felicidade. O que também não é fácil.
Dessa busca da felicidade individual decorre a tendência para a felicidade geral? A felicidade de cada um é um contributo para a felicidade de todos?
Se por busca individual da felicidade estivermos a pensar na livre actividade de cada um dirigida a satisfazer os seus objectivos ou impulsos pessoais, sem entraves nem limitações impostas do exterior, duvido que se possa esperar com optimismo esse harmonioso encontro de felicidades. O que mais se conhece são exemplos em que o gosto de uns é o desgosto dos outros. A vontade individual erigida como única condicionante de si mesma é capaz das mais sinistras proezas. A liberdade para o bem é também a liberdade para o mal (pressupondo a existência destes).
Acreditar que a acção de cada um é determinada pela busca da sua felicidade própria, e que a demanda dessa felicidade individual contribui necessariamente para a felicidade geral, são crenças que só fazem sentido pressupondo uma terceira: ainda e sempre, a bondade natural do ser humano. Se somos todos bons por natureza, eliminando todos os factores que distorcem essa natureza, obviamente externos a ela, os nossos actos expressarão essa intrínseca bondade; e da busca individual da felicidade resultará também a felicidade dos outros, pois para um ser naturalmente bom a sua felicidade nunca poderá conviver com a infelicidade alheia. Se formos todos naturalmente bons. Se não, não: será cada um por si, e teremos o homem tal como o conhecemos na vida, nada parecido com os retratos dos filósofos.
Que o seu estado de natureza não seja aquilo que se vê, mas sim um que nunca se viu, que o homem real seja um produto de deformações operadas de fora, por factores estranhos à sua natureza, são proposições que se situam no domínio da fé.
E que o que a todos movimenta é a busca da felicidade, e que dessa busca se deixada sem regras nem peias resultará a felicidade geral, mais do que fé parece ser fézada.
Uma fézada ingénua.

domingo, dezembro 16, 2007

Acabemos de vez com este tradicionalismo

(artigo já publicado na Alameda Digital)

Surge-nos frequentemente um tradicionalismo que revela uma curiosa similitude com o progressismo, a que constitui uma espécie de contraponto simétrico. Reproduz no entanto o mesmo esquema mental na visão da história e das sociedades humanas, invertendo os termos valorativos. Para uns o bom está no fim, para outros estava no princípio. Para uns temos caminhado sempre no rumo de um futuro radioso, para outros temos caído cada vez mais fundo, degrau a degrau.
Estes tradicionalistas caracterizam-se pela crença numa mítica tradição concebida como uma idade do ouro primordial, de que a civilização mais e mais se foi afastando, em consequência de uma queda ocorrida em momento incerto do passado. A decadência resultou do abandono da tradição, e tudo na nossa época sofre com esse afastamento. Atingimos assim uma idade das trevas, que teremos que suportar até que chegue o fim do ciclo.
Consequentemente, perante essa predeterminação dos tempos, o que cada um deve fazer é preocupar-se com o espiritual, o aperfeiçoamento interior, a imunização contra o espírito do tempo. Chega-se assim ao elogio da contemplação não se sabe bem de quê, e ao desprezo de toda a acção, tida de antemão como inútil.
Os progressistas, em geral nascidos do viveiro de milenarismos e profetismos que assolaram a Europa bem antes de se terem revestido das roupagens racionalistas e científicas com que se adornam, também acreditam na existência de um sentido da história, subjacente à marcha da humanidade. Para eles as sociedades humanas caminham inelutavelmente na via do progresso, entendido como um avançar constante rumo a um qualquer paraíso terreno. É flagrante o paralelismo com o pensamento tradicionalista mencionado – vendo uns no fim da linha o que os outros colocam no início.
Nota-se todavia um óbvio ilogismo no comportamento dos progressistas. É que se acreditam no carácter inevitável da marcha da história seria de esperar que se poupassem a esforços, e nada fizessem para influenciar o seu andamento. Se tudo está fatalmente destinado a acontecer de forma previamente determinada, segundo leis que são cognoscíveis mas que não estão dependentes das vontades dos sujeitos, então o melhor seria esperar sentados. Reside neste ponto a minha principal perplexidade perante o frenesim dos crentes no materialismo histórico, por exemplo. Mas, diga-se a verdade, não são eles os únicos militantes. Em geral os progressistas sempre arderam de zelo em fazer o que podem pela aproximação das sociedades aos ideais que eles mesmos conceberam como representando o tal aperfeiçoamento progressivo que traduziria a marcha inevitável da humanidade. Talvez tenham falta de confiança no prognóstico, mas não lhes tem faltado historicamente o empenho em fazer coincidir a realidade com os desejos.
Diferentemente, os tradicionalistas que comecei por referir adoptam uma atitude muito mais lógica. Se tudo tem que ser assim, deixemos que aconteça. Não está na nossa mão. Esperemos sentados.
A atitude é mais lógica, mas causa no plano político a maior das impotências. A bem dizer, indiferença assumida ou simplesmente lamentosa. A verdade é que essa atitude mental acarreta a passiva aceitação do que está, a capitulação fatalista perante todos os males que se apontam.
É preciso reconhecer os graves danos que semelhante filosofia provoca nas fileiras que deviam ser as nossas, aproveitando a crise de confiança nos próprios valores que fizeram a glória do Ocidente. O pessimismo desmobilizador, o derrotismo, o individualismo paradoxal dos seus seguidores, redundam na descrença radical perante o combate político.
Importa desmascarar a superficialidade desse pretensioso tradicionalismo, que mais não é do que uma vulgata de certas correntes orientais, obviamente mal digeridas, por vezes baseadas em leituras apressadas de alguns autores que mereciam melhor sorte. É um orientalismo de bazar, semelhante a tantos que invadiram o Ocidente.
A posição criticada é incompatível com a tradição ocidental, para quem a acção do homem é que modela o mundo. O valor de um homem ou de uma cultura está nas suas realizações, não nalguma obscura essência metafísica. É pela construção histórica concreta que temos que combater. Precisamos de homens de pensamento e de homens de acção, e ainda mais daqueles que reunirem as duas qualidades. O modelo do sábio oriental não é o nosso. A reflexão não pode ser o pretexto para um exercício gratuito, meramente contemplativo, desligado de toda a acção transformadora do mundo, construtora de cultura e de história.

sexta-feira, dezembro 14, 2007

Novo número da Alameda Digital

Já está em linha a décima primeira edição da Alameda Digital, tratando desta vez, para além de outros assuntos, do tema "Tradição e Modernidade".
Colaboram neste número Abel Matos Santos, Abel Coelho de Morais, Alberto Araújo Lima, António Gentil Martins, Bernardo Calheiros, Carlos Bobone, Carlos Consiglieri, Eduardo Silvestre dos Santos, F. Santos, Isabel de Almeida e Brito, J. Luís Andrade, João José Brandão Ferreira, Jorge Azevedo Correia, Jorge Ferreira, José Maria André, Manuel Azinhal, Mário Casa-Nova Martins, Miguel Mattos Chaves, Miguel Vaz, Pedro Dá Mesquita, Pedro Guedes da Silva, Rui Corrêa de Oliveira, Silvino Silvério Marques e Simão dos Reis Agostinho.
Entretanto, continua disponível o arquivo dos números anteriores .

quinta-feira, dezembro 13, 2007

Na mouche

A anedota do liberalismo português

quarta-feira, dezembro 12, 2007

Olhares

Logo a começar uma monografia que dedicou a Santo António dos Cavaleiros, onde reside há muitos anos, Pinharanda Gomes escreveu uma frase que nunca deixou de me espantar (e já várias vezes me fez reabrir o pequeno volume). É uma declaração espontânea, e indubitavelmente sincera: "gosto muito de Frielas" (!!!). Adianta ele que é o lugar que todos os dias contempla logo pela manhã. Certamente não serão muitos os meus leitores, de entre os poucos que tenho, a entender o meu espanto. Estou certo porém que se todas as manhãs descessem o planalto de Santo António dos Cavaleiros, como quem vem da Cidade Nova ou das Torres da Bela Vista, num velho autocarro apinhado, serpenteando e balouçando por entre os inúmeros prédios tipo caixote rectangular plantado ao alto, não veriam sequer Frielas, nem encontrariam ali nada de que gostar. E assim acontece com os milhares e milhares de padecentes que todos os dias se acotovelam cambaleantes e sonolentos nos muitos autocarros que dali os levam, para à noitinha os trazer de volta. Nunca a nenhum se ouviu dizer que gostava de Frielas.
Na verdade, ao chegar ao sopé da encosta de Santo António dos Cavaleiros cruza-se o que resta da estrada que liga Lisboa a Loures, outrora ao que dizem bordejada pelo viço dos hortejos, ultrapassam-se as linhas de água que ali assinalavam a várzea que desde Loures vinha, e para além desse sítio da Ponte de Frielas o itinerário prossegue deixando ao lado Frielas, rumo a Sacavém, uns quilómetros mais à frente. Era o percurso diário de Pinharanda Gomes, de casa ao trabalho e do trabalho a casa, durante anos sem fim. O que não se descortina ali facilmente é sombra de beleza; e o que melhor se distingue, de imediato e sem custo, é uma fealdade cinzenta, a desarrumação e a degradação tão típicas dos arrabaldes suburbanos de Lisboa ou do Porto (onde aliás se aglomera a mais numerosa fatia da actual população portuguesa).
De onde resulta que por vezes o que conta no olhar não são os olhos, mas sim o coração. Pinharanda Gomes é um homem de uma bondade extrema.

terça-feira, dezembro 11, 2007

Surpresa

Vejo reproduzido um texto meu, no Causa Nacional.
Afinal há alguém que lê o que eu escrevo. Vou-me embora mais contentinho. Até logo.

Síntese perfeita

Pelo Portugal dos Pequeninos descobrimos este extraordinário retrato do socratismo, em corpo inteiro. É uma passagem do comentário de um jornalista da BBC em Lisboa, a propósito do discurso de encerramento da famosa cimeira.

«The Portuguese Prime Minister, Jose Socrates, gave an extraordinary closing speech which spoke about bridges being built, steps forward being taken, and visions being pursued. He went off on such an oratorical flight, in fact, that I became mesmerised by the beauty of the Portuguese language and the elegance of his delivery. I was so bewitched that I didn't register any concrete points in the speech at all. Perhaps there weren't any. But it certainly sounded good.»

segunda-feira, dezembro 10, 2007

FUTURO PRESENTE na Livraria Bulhosa

Na quarta-feira dia 12 de Dezembro às 18.30 horas haverá uma sessão Futuro Presente na Livraria Bulhosa de Entrecampos em Lisboa.
A sessão destina-se a apresentar o número 63 da revista (cujo tema de capa é Salazar), e estarão presentes Miguel Freitas da Costa, Jaime Nogueira Pinto, Luís Salgado Matos e Nuno Rogeiro.
Haverá também uma sessão de assinaturas do livro de Jaime Nogueira Pinto, "Salazar- O outro retrato", que já vai em 5ª edição.

Se Ele não tivesse vindo

Se Eu não tivesse vindo e não lhes tivesse dirigido a palavra, eles não teriam pecado; mas agora não há desculpas para o pecado deles” (Jo. XV, 2).

Estas palavras terríveis ditas por Jesus na noite da Ceia, devem ser lidas e meditadas com especial atenção nos atuais tempos litúrgicos, para bem apreendermos o nexo entre a Natividade e a Paixão, e sobretudo para aprendermos um vislumbre das dimensões trágicas da vinda de Jesus para a nossa Salvação.
(A ler aqui)

Sobre a Mocidade Portuguesa Feminina

Escreve Maria de Lourdes Pintassilgo.

Conferência de Braz Teixeira

No dia 11/12/2007, na SHIP, às 15 horas:
Sessão do curso “A Filosofia Portuguesa no Século XX” - António Braz Teixeira fala sobre "Outros caminhos do pensar: I - Eduardo A. Soveral".

Desordem dos Advogados

O problema maior é que Miguel Júdice tem razão naquilo que diz de Marinho e Pinto, e Marinho e Pinto tem razão naquilo que diz de Miguel Júdice.
Soluções não as estou a ver, e confesso-me apreensivo.

sexta-feira, dezembro 07, 2007

A toda a blogosfera bibliófila


A 11 e 12 de Dezembro, no Hotel Roma, leilão de livros antigos e de manuscritos das bibliotecas dos Professores Diogo e José Bayolo Pacheco de Amorim. Uma boa causa para mobilizar toda a reacção.

Pois é

O liberalismo português não está a mudar. Sempre foi assim.

quarta-feira, dezembro 05, 2007

Moralistas e seareiros



Pelo Semanário, apercebo-me que faz o seu caminho no PSD lisboeta a candidatura de Fernando Seara nas próximas eleições para a Câmara da capital. Fica-se assim a saber com tempo que não está apenas em campo a hipótese Isaltino de Morais.
Vai ser uma dura batalha, esta. Não a poderemos ver, que é toda de bastidores e subterrâneos, mas o ruído não poderá deixar de soar cá fora.
Temos então os moralistas (parece-me que não será desajustado chamar assim aos partidários do Dr. Isaltino de Morais, a alternativa será talvez isaltados) e os seareiros (os apaniguados de Seara, está bom de ver).
Rói-me a curiosidade de saber para que lado pende o coração do Dr. Menezes Lopes. Este a tudo preside, com aquele ar doce, triste e olheirento que me faz lembrar irresistivelmente um basset hound, sem as orelhas. Um cão que não ladra nem morde.

Perspectiva histórica

CN, no Causa Liberal, todo ele fé e optimismo:

Cada vez que surge uma dissidência/discussão/etc intra-liberal (ou pelo menos, perto disso, "direita-liberal", etc) fico sempre com a impressão que tal sucede também porque a "base" e alcance em termos de público se está a alargar.
(...)
Eu faço a analogia com o que era o marxismo/socialismo no início do século 20. Dividido e com dissidências internas irreconciliáveis mas no seu todo pronto a tomar conta das elites intelectuais e esperança (iludida) dos povos.


Pergunto eu: não seria mais adequada a analogia com o que era o liberalismo no início do século dezanove?

Blogosfera

Não sei quem é o André Azevedo Alves, mas pelo que tenho lido sobre ele começo a simpatizar com o rapaz. Parece que é o-que-não-se-pode-ser...
Quanto aos liberais em geral, continua em aumento a minha incompreensão. Desta vez acompanhada de algum sobressalto. Vistos assim de longe, na segurança relativa que dá a distância (não conheço nenhum de perto), parecem ser uma gente terrível. Se eles são assim na blogosfera, se eles são assim uns com os outros, o que seria... ???!!!!
Livra!!!

terça-feira, dezembro 04, 2007

Sugestão de leitura: Cunha Leão

Passaram cem anos sobre o nascimento do ensaísta de "O Enigma Português" e do "Ensaio de Psicologia Portuguesa".
Para nos lembrar Francisco da Cunha Leão, a sua editora lançou por estes dias uma colectânea de trabalhos dispersos do autor, acompanhada por uma introdução à sua obra por António Quadros, António Braz Teixeira, Pinharanda Gomes e Artur Anselmo.
Passem pela Guimarães Editores, SFF.
E de caminho vão ao outro lado da rua e visitem a Bizantina, onde o Carlos Bobone terá certamente um alfarrábio a vosso gosto.

“Transcorrido quase meio século sobre a publicação de O Enigma Português e quando se cumprem cem anos sobre o nascimento do seu autor, afigurou-se-me oportuno recordar a sua lição generosa, séria e muito informada, como convite a uma renovada e serena reflexão sobre o carácter português…”
(António Braz Teixeira)
Em comemoração do centenário do nascimento de Francisco Cunha Leão — 1 de Dezembro de 1907 — a Guimarães Editores organizou uma colectânea dos seus ensaios. Esta edição conta com introduções à sua obra por António Quadros, António Braz Teixeira, Pinharanda Gomes e Artur Anselmo.
Através de vários ensaios e artigos escritos e publicados entre 1944 e 1974, a presente colectânea complementa significativamente as obras fundamentais que Francisco da Cunha Leão escreveu, O Enigma Português e Ensaio de Psicologia Portuguesa, obras que o tempo veio a demonstrar serem de uma grande actualidade.
Estamos perante a constante interrogação e afirmação, em termos de uma filosofia e de uma antropo-geografia inovadora, dos mitos, da individualidade, do sistema de ideais e crenças dos portugueses e, sobretudo, do seu devir e existência, pela caracterização de antinomias que definem concretamente os portugueses no seu universalismo.

segunda-feira, dezembro 03, 2007

Chávez y Pinto

De um se diz que perdeu, de outro se mostra que ganhou. As notícias falam das recentes eleições na Ordem dos Advogados portugueses, onde se confirmou a vitória anunciada de Marinho Pinto, e do referendo na Venezuela, onde os eleitores desfeitearam os jornais.
São notícias importantes, a merecer mais atenção e vagar. Daquilo da Venezuela não digo nada, espere-se para ver o que trazem os próximos dias.
Quanto à nossa Ordem dos Advogados, o acontecimento parece-me relevante e significativo. Estranho o silêncio de uma blogosfera tão repleta de profissionais do foro. Devia ser devidamente comentada e analisada a vitória de Marinho Pinto.
Por exemplo, os abundantes liberais que todos os dias nos fazem luz sobre a (aparente) complexidade do mundo bem poderiam dedicar um pouco de atenção ao que se está a passar. A que deveria ser a mais liberal das nossas classes profissionais escolheu o mais socialista dos rostos que se lhe propunham!
Eu, que sou um incréu, julgo saber porquê. O problema com a mão invisível é que nunca ninguém a viu. E em contrapartida as pessoas vêem claramente outras, que lhes tecem as malhas do destino. Mas os devotos certamente têm outras explicações. Eu gostava de ouvir opiniões, e aprender com elas. Parece-me inexplicável este silêncio, como se tudo não passasse de banalidade.
A progressiva proletarização dos advogados vem ocorrendo já há uns anos largos.
A cada vez mais acentuada distância entre a advocacia tradicional e o universo dos industriais do sector, os grandes empórios onde se concentra a actividade de intermediação económica e financeira, o lobismo e o tráfico de influências, traduzido nomeadamente no "cambão do Estado" de que falou Marinho e não falou mais ninguém, é um facto notório.
O descontentamento e a revolta que se foi apoderando de uma classe em tempos prestigiada e prestigiante fizeram o resto. Que se lixem as conveniências: o grosso das tropas atirou com as aparências para trás das costas e alinhou na jacquerie.
Os demagogos caracterizam-se geralmente por não terem as respostas para os problemas que levantam, mas frequentemente levantam problemas verdadeiros. Ganham, se do outro lado nem isso.

Manuel Monteiro, o SIS e os nacionalistas

Ao iniciar segunda postação sobre o mesmo assunto quero deixar bem claro que as faladas aventuras e desventuras de Manuel Monteiro e da sua Democracia Nova com uns nacionalistas que lá terão ido quebrar-lhe o sossego me provocam a mais absoluta indiferença. Não conheço MM nem nenhum dos numerosos vinte elementos que ele escolheu como inimigos, ou que inexplicavelmente o escolheram a ele, embora pela aparência suspeite que tudo não passe de uma tosca forma de apresentar prova de vida política.
Pela minha parte, expresso sinceros votos de muita saúde e de não menor felicidade para o próprio MM, para o agrupamento que encarnou e já agora também para os enjeitados, que também são gente e até têm mostrado inegável utilidade ao fazer o PND aparecer nas notícias.
Mas, confesso, tudo isso me parece um conjunto de irrelevâncias a que sou de todo estranho.
A vida interna dos partidos é lá com eles, e a questão é francamente menor.
Porém, todavia, contudo, não resisto à tentação de voltar ao assunto.
Com efeito, quem recordar a entrevista de Manuel Monteiro à SIC Notícias lembra-se que este, falando do papel do SIS na identificação dos "indesejados" que invadiram o PND, mencionou "sites, blogues e mails trocados" que permitiriam claramente aferir do carácter anti-democrático e inadequado aos princípios do PND manifestado pelos referidos "extremistas". Já o Diário de Notícias de 26 de Novembro tinha explicado com naturalidade, sem que ninguém desmentisse nem esclarecesse, que "Manuel Monteiro teve conversações com elementos ligados ao Serviço de Informações de Segurança (SIS) sobre a entrada de militantes da extrema-direita portuguesa no Partido da Nova Democracia (PND). O DN sabe que Monteiro foi avisado sobre quem eram os militantes considerados mais perigosos e cujos movimentos e actividades estão a ser acompanhados pelo SIS. O líder do PND terá usado a informação para a cruzar com os dados existentes nos ficheiros do partido."
Ora neste ponto a questão é séria. E adianto desde já que me parece escandaloso o silêncio geral a este propósito. O SIS está ao serviço de facções em lutas internas dos partidos políticos portugueses? O SIS presta serviços a Manuel Monteiro? O SIS faz biscates na privada? O SIS em serviço oficial vigia cidadãos que cataloga segundo as suas orientações políticas? O SIS está a vasculhar o correio electrónico dos cidadãos-alvo dessa vigilância? E as comunicações telefónicas? O SIS serve para isto? O SIS pode fazer isto?
As perguntas podiam prolongar-se, e crescer em gravidade. E aqui chegados confesso que o assunto já não me deixa indiferente. É que eu, mea culpa, também sou nacionalista.Inequivocamente nacionalista, desde pequenino. Não tenho nada com o PND, nem conheço lá ninguém, não sou amigo nem inimigo de nenhum dos envolvidos nessa telenovela, mas nacionalista sei que sou. Sem partido, obviamente, nem vocação para empartidar, mas nacionalista. Estou portanto incluído entre as espécies cinegéticas. Como toda a gente o sabe, será que também eu figuro nas listas dos SIS? Também têm lá uma ficha com os meus dados pessoais? Também sou vigiado? Os meus telefonemas são interceptados? E os mails também?
Garanto que estou tranquilo e que nada nas minhas pacatas e rotineiras actividades é susceptível de merecer censura criminal. Os meus mails, as conversas com o meu telemóvel ou com o telefone de casa, aliás escassas, são completamente anódinas. Quem esteja a fazer esse trabalho deve aborrecer-se de morte. Mas, que diabo, são minhas!!!
Assim de repente lembrei-me que conheço, e fui amigo, noutros tempos, de quatro ou cinco pessoas que desempenham cargos de grande responsabilidade no SIS. Duas ou três delas por afinidades várias que não passam pelo posicionamento político, mas há mesmo dois a quem me uniam fortes laços de camaradagem. Eram nacionalistas, tanto ou mais do que eu (podem já não ser, o tempo passa). Será que o nosso serviço público de informações está a obrigá-los à dolorosa tarefa de espiolhar as gravações dos meus telefonemas e os registos dos meus mails, e analisar os meus desenxabidos escritos que vão surgindo aqui e acolá?
Tudo isto seria risível, se não fosse tão grave. É demasiadamente absurdo para ser verdadeiro. Mas acho que devia haver um esclarecimento sobre o teor da notícia do DN e das palavras de Monteiro à SIC. Seja de Monteiro seja do próprio SIS. Perante aquilo que saiu no DN e que resulta das declarações de Monteiro, tudo se pode pensar. Por mais absurdo que pareça.

A INVERSÃO DO PAPEL DO ESTADO

um artigo de João César das Neves:

O futuro terá muita dificuldade em entender a nossa obsessão com o Estado. Esta é a época que mais teoriza sobre o papel das autoridades, onde os poderes públicos mais se esforçam por melhorar a vida dos cidadãos, mas onde existe a maior confusão, atropelo e ambiguidade nesses mesmos poderes. O Estado não faz o que deve e anda a meter-se onde não é chamado. Assistimos nos últimos tempos a um recuo evidente do Governo nas suas funções básicas. Ao mesmo tempo há funcionários, fiscais e técnicos a invadir a intimidade dos cidadãos em nome da segurança e bem-estar. Se isto continua em breve teremos uma inversão total da estrutura institucional.
O mais surpreendente é que muitas mudanças básicas acontecem, não por razões ideológicas, de forma planeada ou segundo análises fundamentadas, mas por mero deslize. São consequências laterais de tácticas oportunistas, expedientes patetas ou golpes de conveniência. A tacanhez política está a ter efeitos radicais que dificilmente serão corrigidos.
O recuo do Estado nas suas funções próprias é bastante evidente. Desesperado pelo défice, o Governo perde de vista o seu papel. A fúria de privatização há muito deixou de ter propósitos estruturais, para se tornar mero instrumento financeiro. Privatiza-se não o que se deve, mas o que rende. Como as corporações capturaram as funções que deveriam exercer, cada ministério trata mais de reivindicações de profissionais que do seu serviço ao povo.
Um recente caso escandaloso é o das Estradas de Portugal. Entregou-se a uma sociedade anónima uma função essencial do Estado, a liberdade de circulação, pois estradas abertas constituem um direito fundamental de cidadania. Qual a razão? A bomba de relógio financeira das SCUT, criada na ilusão de obter dinheiro privado para infra-estruturas, está a explodir. Por isso entrou-se numa fuga para a frente, generalizando a abordagem. Quando o primeiro-ministro afirmou em 16 de Novembro que a nova empresa tem por objectivo a "sustentabilidade financeira", ele sabe que isso só será possível com uma qualquer forma sofisticada dos antigos bandoleiros dos atalhos.
Enquanto aliena funções fundamentais, a sempre crescente máquina estatal atarefa-se a tratar da violência doméstica, inovação tecnológica, galheteiros nos restaurantes, embalagens de brinquedos. Proíbe o fumo, o ruído e o excesso de velocidade, promove o aborto e facilita o divórcio. Dizemos ser um país livre, mas é impossível a matança do porco, brindes no bolo-rei, ou termómetros de mercúrio.
Tudo isto no meio de uma fúria legislativa, onde novas versões de diplomas surgem antes de secar a tinta nas anteriores. Um exemplo sugestivo, já que se fala de trânsito, é o Código da Estrada. O Estado, que se demite da gestão rodoviária, está cada vez mais enfiado com o condutor ao volante. Como andar de automóvel não muda há décadas, seria de esperar estabilidade nessa legislação fundamental que afecta toda a população. Pelo contrário, esse campo é um emaranhado de diplomas.
Referindo apenas os principais, tínhamos um código, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 114/94, de 3 de Maio, que foi depois revisto e republicado pelos DL 2/98, de 3/1, e 265-A/ 2001, de 28/9, e alterado pela Lei 20/2002, de 21/8. Então o Governo decidiu criar um novo Código, que aprovou pelo DL 44/2005, de 23/02. Desde então, nestes dois anos já foram publicados 26 novos diplomas que o complementam, corrigem e acrescentam. São quatro leis, cinco decretos-leis, dois decretos regulamentares, seis portarias e nove despachos. O site da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, na secção Trânsito, tem um total de 46 diplomas que devemos conhecer cada vez que entramos num carro.
O mais incrível é que os responsáveis não se dão conta de que esta profusão legislativa apenas manifesta a sua tolice, impotência e incapacidade. O Estado tornou-se uma galinha tonta, a correr em todos os sentidos. As gerações futuras vão divertir-se com este tempo infantil que acha que a lei resolve tudo mas não consegue decidir qual lei o deve fazer.

Agenda para hoje e amanhã

Sessões na SHIP:

03/12/2007
Curso “Os Jesuítas e a História de Portugal” - Mitos e Realidades: “Expulsões dos Jesuítas e as experiências de exílio”, pelo Professor Doutor Pe. António Júlio Trigueiros, sj. Na Sala do Conselho Supremo às 15h00.

03/12/2007
Curso “A actualidade das heresias antigas”, organização do Centro Cultural de Lisboa Pedro Hispano. Na Sala do Conselho Supremo às 20h00.

04/12/2007
Curso “A Filosofia Portuguesa no Século XX” - O movimento da "filosofia portuguesa: III - Orlando Vitorino", pelo Doutor António Braz Teixeira. Promoção do Instituto de Filosofia Luso-Brasileira. Na Sala do Conselho Supremo às 15h00.

04/12/2007
“Aquecimento Global”, conferência da Dr.ª Teresa Abrantes no âmbito das actividades do Núcleo Feminino. No Salão Nobre pelas 17h30.