segunda-feira, outubro 22, 2007

Huis clos

Pedro Arroja tem vindo a dissertar sobre a sociedade portuguesa tentando encontrar a matriz explicativa para os seus comportamentos típicos no catolicismo que a caracterizaria. Sem pretender desprezar as potencialidades desssa dicotomia entre sociedades católicas e sociedades protestantes para a compreensão das idiossincrasias indígenas, atrevo-me a sugerir a exploração de uma outra via na análise da nossa vida pública.
É geralmente reconhecido o papel decisivo que a instituição maçónica desempenhou na história política e social portuguesa dos últimos 250 anos. Mais nuns períodos que noutros, a maçonaria e a sua influência estiveram sempre presentes a marcar fortemente todos os acontecimentos da existência colectiva dos portugueses desde a segunda metade do século XVIII. Marcou profundamente a cultura, o pensamento, o poder, as mentalidades. A democracia, o liberalismo, a república, todas as nossas revoluções e convulsões desde o pombalismo para cá - em tudo se encontra a marca e o protagonismo da maçonaria.
Tudo isso é sabido, e o que eu queria acrescentar a partir daí, e na linha do que faz Pedro Arroja com o catolicismo, era observar que a meu ver a maçonaria implantou também indelevelmente nas nossas elites uma mentalidade que é detectável nas mais diversas situações.
Recorda-se que a maçonaria é uma ordem que organiza os seus membros em lojas e pela sua filosofia faz deles irmãos, separando-os do mundo por essa mesma fraternidade. A distinção entre os que são iniciados, e portanto irmãos, e os restantes, os profanos, vai condicionar toda a acção dos seus membros em sociedade.
A bem dizer essa diferenciação, entre aqueles que sejam quem forem e sejam quais forem as suas fraquezas humanas, são irmãos, e os outros, os que não são nada, ficou a constar dos hábitos arreigados das nossas elites sociais.
Para avaliar a importância do maçonismo nas nossas elites políticas, e logo económicas, e logo sociais, basta lembrar que épocas houve em que era regra que qualquer governo antes de ser discutido nos órgãos constitucionais próprios o fosse primeiro nas lojas, e qualquer decisão política relevante, ou até iniciativa legislativa, passasse primeiro pelas lojas que pelo governo ou pelo parlamento.
Anos e anos de habituação a essas práticas sistemáticas, de discreto mas constante trato nas lojas de tudo o que fosse relevante para a vida em sociedade dos seus membros, fez com que também, com naturalidade, os assuntos próprios deles passassem a ser tratados e vividos no mesmo círculo assim desenhado. Nada mais normal que entre irmãos haja a confiança, a solidariedade e a protecção que só por estranha excepção se encontrará entre estranhos.
É usual entre nós que ao falar-se de alguém que por algum motivo surgiu entretanto na praça logo se ouça perguntar "quem é". E todos os ouvintes entendem de imediato que a pergunta não se refere ao que o sentido literal poderia fazer crer, não se está a perguntar pela identidade, que normalmente será conhecida antes da pergunta. Ao perguntar-se "quem é" está na realidade a perguntar-se a quem pertence. Porque esse será o traço identificador que decidirá o destino do recém chegado. A quem pertence ele. Pode ser dos nossos, ou pode ser dos deles. Mas tem que pertencer a algo ou a alguém.
Quem não pertencer a nada, não é nada.