quarta-feira, março 07, 2007

Pessoa e Salazar

De vez em quando vem à superfície a velha discussão sobre o posicionamento político de Fernando Pessoa.
Como se sabe, a esquerda procura utilizar uns conhecidos poemas em que o poeta satiriza Salazar e o Estado Novo para concluir triunfante que o homem era um anti-fascista. O logro está por demais desmontado, e não engana ninguém com um mínimo de conhecimento sobre a matéria. Utilizam-se uns poemazinhos avulsos, brincadeiras à mesa do café, em que aparece satirizado o ditador feito de sal e azar ou o tiraninho que não bebe vinho nem sequer sozinho, para extrapolar e retirar dali galões de antifascista, ou até um lustroso palmarés de democrata politicamente correctíssimo.
Pobre truque que aproveita o que são pouco mais que manifestações de embirração pessoal, ou frustrações por devoção a modelos idealizados, para procurar demonstrar positivamente posicionamentos políticos fundamentados, que o poeta e pensador bem tentou explicitar noutras sedes.
Porém, às centenas de páginas de reflexão política ou sociológica em que Pessoa demonstra a sua inteira aversão a essa forma inferior de vida colectiva que a democracia é, a essas tenta-se prudentemente dizer nada.
Pessoa efectivamente antipatizava com Salazar e com a situação que este institucionalizara; mas importa compreender porquê e em nome de quê. A sua antipatia partia toda do ponto de vista que partilhava ao tempo com os nacionais-sindicalistas, o de não ser o frio e austero Salazar o chefe que devia incendiar as almas lusitanas...
Paralelamente, Afonso Lopes Vieira chamava ao ditador "o escandinavo" e Tomaz de Figueiredo designava-o por "fradalhão de Santa Comba".
Nenhum deles gostava de Salazar; mas nenhum deles aceitaria o rótulo de democrata, nem sequer honorário (no caso destes dois o que queriam era uma coisa outra, que Salazar não dava: queriam um Rei).
E todos eles queriam alguém feito da matéria com que se fazem os sonhos, em vez daquele culto da normalidade tão tipicamente salazarista, que proclamava como norma o "viver habitualmente".
Por outras palavras: Pessoa quando ataca Salazar reprova-lhe precisamente o ser tão pouco fascista, o ser tão afastado da imagem ideal do Chefe que o inspirava (e que se vê como construção poética na "Ode ao Presidente-Rei Sidónio Pais", ou nos versos da "Mensagem" que dedica a D. Sebastião, ou ao Condestável).

3 Comments:

At 6:03 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Na minha modesta opinião, o que está exposto corresponde à leitura correcta do grande Pessoa.
Descendo a pequenas blagues, tive conhecimento, por pessoas que me eram muito próximas e algumas vezes almoçaram com Salazar - jantar nunca! -, que ele bebia sempre do "seu vinho", que, ao que me disseram, era excelente.

Nuno

 
At 1:18 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Só uma reflexão:
O importante a retirar de tudo isto é que aquelas centenas ou milhares de frases e versos de Fernando Pessoa e seus heterónimos ficarão para sempre como legado espiritual para lusofalantes e mesmo povos de todo o mundo e de outras línguas.

"Deus quer, o homem sonha, a obra nasce"; "Não sou nada, Não posso querer ser nada. Aparte isso tenho em mim todos os sonhos do mundo"; "E ao possível e imenso oceano, ensinam estas quinas que aqui vês, O mar com fim será grego e romano, O mar sem fim é Português" - são estas e muitas outras milhares de frases, assim como os poemas iniciáticos e Rosa-Cruz de auto-descoberta interior que ficarão para a posteridade. Basta uma frase para fazer do dia e do quotidiano, um dia diferente. Pode-se até discutir literariamente Camões e Pessoa (cada um terá a sua opinião obviamente do ponto de vista literário), mas em profundidade psicológica, iniciática e espiritual, a "lírica" e os "Lusíadas" não podem competir com a Obra de Fernando Pessoa.

Quanto a Salazar, o seu legado é o do patriotismo, de uma visão católica e rural(católica mas à sua maneira), a da salvação da catástrofe de Espanha e da Segunda Guerra mundial. A defesa das Colónias, por outro lado, acabou por ser irrelevante históricamente( porque não teve continuidade depois do Estado Novo) - não será irrelevante como principio e legado. Mas salazar ficará na história como outras personalidades históricas.

Mas para o futuro e para as gerações é Fernando Pessoa que continua - os seus pensamentos, os seus Poemas, a sua visão sebastianista e iniciática que abre outros portais do Universo.
É Pessoa que será citado e cada Ser humano rever-se há nas suas frases preferidas, tal é a amplitide de penasamentos. Será infinitamente mais importante para o futuro.

A diferença com Salazar provinha do seu culto Templário-Maçónico, talvez muito romântico e baseado na antiga tradição da Cavalaria - Cristã, Espiritual e Iniciática( baseado na Maçonaria setecentista) - não dando tanta relevância a desvios demasiado jacobinos, "esquerdistas" e materialistas mais recentes de alguns grupos daquele tempo.

Como Cristão Gnóstico, Sebastianista e Maçom-Templário(assumiu-se como inciado em Três Graus) irritava-o todo o velho Catolicismo Romano, que considerava de resto externo à verdadeira essência Universalista e Cristã da Portugalidade.

A lei Cabral foi o mote - e daí o começo das diferenças.

 
At 8:52 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Não me parece que se possam comparar as obras de Camões e Pessoa, embora valor de ambos seja imenso.
Porém, também não se podem comparar à obra de Salazar.
Todos eles ficarão na História por motivos diferentes.
No meu caso, como Português, tenho imenso orgulho no que fizeram.
Nuno

 

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