segunda-feira, dezembro 18, 2006

Urbanidade

Vem de trás, de certas fantasias revolucionantes, o desprezo por qualquer preocupação com a urbanidade no trato social.
Qualquer manifestação de delicadeza caiu rotulada de artificialismo sem conteúdo, quando não até de hipocrisia.
O pior é que o abandono das normas de civilidade, que num plano geral contribui e não pouco para a degradação de todas as relações sociais, em certas áreas específicas tem consequências especialmente desastrosas.
Com efeito, para a boa prossecução de algumas funções é essencial a qualidade da relação estabelecida com os destinatários dessas tarefas. Quebrada a possibilidade de uma relação saudável fica comprometido o próprio sucesso da missão.
E aqui ressalta que o problema não é tão só de polimento e de cortesia, situa-se já no próprio terreno da eficácia desejada.
Como alcançar adequada colaboração entre o cidadão comum e os agentes policiais se os primeiros sentirem que a abordagem usual por parte destes é malcriada, arrogante ou prepotente?
Como conseguir um clima apropriado na relação médico-doente se estes últimos sentirem a sua dignidade ferida pelo modo achincalhante com que são tratados quando procuram os serviços de saúde?
Note-se que a estes exemplos poderiam acrescentar-se mais uns tantos, sem esforço.
Aponto estes dois porque deles posso dar testemunho pessoal, e penso que muitos dos leitores não terão dificuldade em acompanhar os passos do meu raciocínio.
Importa notar que da simples grosseria até à brutalidade pura muitas vezes a distância é muito curta, e não raro acontece encontrarmos ambas em concurso.
Sempre que posso, em conversa com pessoal clínico ou de gente das forças de segurança, chamo a atenção para os problemas prementes que sinto nessa área. Tenho a sensação de que é muito difícil uma sensibilização autêntica; quase sempre os meus interlocutores anuem de forma condescendente em que aqui ou acolá algum problemazito desses sempre haverá, para logo rematar com impaciência qualquer coisa do género “mas oxalá que os nossos problemas fossem esses”. A desvalorização não augura nada de bom para a evolução futura do tema em apreço.
Com frequência encontro médicos que se me queixam amargamente do aumento que verificam das situações de violência por parte de utentes e seus acompanhantes, nos locais de atendimento. E de igual forma o pessoal ligado às corporações policiais me exprime muitas vezes as suas preocupações com o crescendo das situações de violência de que são alvo todos os agentes no exercício das suas funções - nalguns casos com consequências dramáticas.
Mas não consigo que nenhum deles repare a sério na violência corrente e "normal" que está tantas vezes presente na abordagem típica de muitos desses profissionais às gentes que com eles são forçadas a estabelecer contactos, quase sempre em posição de inferioridade, quando não de notória fragilidade.