sexta-feira, novembro 24, 2006

Marvila

O editorial do Diário de Notícias, por Eduardo Dâmaso.

A guerra que estalou entre o Governo e a maioria política da Câmara de Lisboa devido à aprovação de um loteamento em Marvila que põe em causa um dos possíveis trajectos de passagem do TGV por Lisboa tem todos os ingredientes daquelas histórias de que só se pode desconfiar. Desconfiar da pressa da votação, depois de o processo ter saltado vários agendamentos. Desconfiar da legalidade, puramente formal, defendida pelo presidente da câmara e pela vereadora do Urbanismo de forma excessivamente genérica. Desconfiar da opacidade da decisão tomada em reunião confidencial do executivo e de que só nos chegam chavões de defesa liminar, apimentados por frases de confronto político, ou os gritos indignados da oposição. Desconfiar da leviandade com que são constituídos - e praticamente blindados - direitos adquiridos dos promotores.
O caso tem duas vertentes essenciais que passam pela dimensão urbanística pura e pela questão de salvaguardar ou não um dos corredores possíveis do TGV, mas tem uma outra, de natureza política, decisiva: seria impossível ter adiado a votação? Formalmente o processo tinha ultrapassado todas as fases de planeamento interno e só dependia da decisão política. Esteve, porém, agendado várias vezes e não chegou a ser votado por motivos diversos. Na penúltima reunião do executivo não foi votado porque entretanto estalou a crise na maioria, mas aparentemente o dossier trazia fogo e tinha de ser rapidamente despachado. Foi o que aconteceu, numa reunião em que só havia mais dois pontos em agenda.
Carmona Rodrigues, que foi obrigado a usar o voto de qualidade e implicitamente meteu o pescoço num processo em que se poderia ter salvaguardado, tem de ser obrigado a esclarecer isto. Qual foi a inadiável razão que o levou a acelerar a votação? Quis inviabilizar a passagem do TGV por ali? Prejudicaria gravemente os interesses da cidade e do concelho se adiasse a votação? Tudo o que disse até hoje sobre o assunto não permite extrair qualquer elemento de razoabilidade e bom senso.
O presidente da câmara deveria estar mais preocupado em esclarecer este processo aos munícipes de Lisboa do que em atacar quem o critica. É que, caso não a tenha, é bom que adquira rapidamente a consciência de que esta é uma matéria que, à falta de boas explicações, transporta o vírus que contamina a credibilidade dos políticos.