terça-feira, setembro 19, 2006

Evocando Miguel Reale

Pela leitura apressada de “O Diabo”, esta manhã, fiquei a saber que o volume mais recente da Revista Brasileira de Filosofia, expressão do labor do Instituto Brasileiro de Filosofia (uma e outro obra da energia criadora do grande Mestre) surge quase inteiramente dedicado a Miguel Reale.
Entre os colaboradores que marcam presença encontramos apenas um português, António Braz Teixeira (é justo dizer que ele só tem feito mais pelo diálogo cultural luso-brasileiro do que todos os organismos oficiais que seria suposto cumprirem essa tarefa).
Embora não tendo ainda acesso ao referido volume, sabem os leitores, por apontamento anterior, que o passamento do ilustre filósofo me tinha suscitado um renovado interesse pela tradição filosófica luso-brasileira e especificamente pela Filosofia do Direito (duas enjeitadas do nosso ensino oficial).
Cabe reconhecer como normal esse interesse da parte de quem sempre deu particular importância à problemática da filosofia portuguesa, como manifestação vital da autonomia de Portugal. É o caso de Braz Teixeira, e modestamente o seguimos.
Vem a propósito lembrar que Miguel Reale, mesmo não sendo esse campo o foco dos seus trabalhos, não estava alheio à problemática conhecida entre nós como a das filosofias nacionais.
Tocando de passagem essa questão, escreveu Miguel Reale, de certo modo afirmando aquilo que parecia negar “(…) sobre os problemas universais da filosofia, os quais nunca deixam de revelar algo de próprio e peculiar às nações a que pertencem”; e adiantou que “não há, em verdade, “filosofias nacionais”, a não ser como expressão do que resulta da pluralidade dos idiomas, sendo a língua, no dizer de Heidegger, o solo da cultura; e também pela opção e o predomínio dos temas universais preferidos em cada uma das comunidades nacionais (…)”.
E para terminar com uma curiosidade, porque a política surge a cada passo a exigir quando não a pretender monopolizar a nossa atenção, talqualmente aconteceu a Miguel Reale ao longo da sua vida, encontro-me com uma coincidência: antes de tropeçar na notícia sobre a homenagem da Revista Brasileira de Filosofia tinha eu encontrado num artigo de Miguel Reale sobre a tragédia da classe política uma expressão que me tinha deliciado. Estava a saborear-lhe o gosto. Explica o filósofo, analisando as fraquezas da classe política brasileira e as naturais incapacidades que delas resultam, que na ausência de habilitações para cumprir apropriadamente as funções de sua incumbência esta dedica-se a “atividades de mostração”.
O professor brasileiro estava a olhar para os seus políticos; mas podemos nós olhar para os nossos. O que fazem eles? Legislar, governar, administrar - como seria formalmente de esperar de quem ocupa as cadeiras do legislativo, do executivo, do poder político? Não, para isso eles não têm preparação. Cairiam no ridículo se tentassem, sequer. Numa feliz síntese, a acção política dos políticos reduz-se hoje a “atividades de mostração”.