sexta-feira, junho 02, 2006

Educação: insistir num modelo sem futuro?

Um artigo bem inspirado, de Maria José Nogueira Pinto, hoje no DN:

Em Espanha, a propósito da alteração da Lei da Educação, os professores denunciaram os quatro mitos que consideram responsáveis pelo fracasso do sistema:- O mito de aprender fazendo; o mito da igualdade; o mito do professor amigo; o mito da educação sem memória.Declararam-se também, maioritariamente, simplesmente fartos:- Da falta de esforço; da falta de autoridade na aula; do excesso de especialização; da integração sem meios; da deterioração do ensino público.Interrogo-me se, em Portugal, os professores (não só os "pedagogos", não os teóricos, não os sindicatos) não dariam do sistema português, dos seus mitos e ameaças, uma imagem aproximada.Fiz toda a minha aprendizagem em escolas públicas. Descontando o muito que aprendi em minha casa, é-me hoje possível confirmar sem sombra de dúvida, o quê e o quanto me foi ensinado nessas salas de aula.A escola do Estado Novo veio a ser acusada de mil e um defeitos, descrita como soturna e repressiva. Porém a minha geração, oriunda das mais diversas classes sócio-económicas, aprendeu. E guarda desse tempo uma memória mais banhada em ternura e nostalgia que marcada pela frustração ou revolta.É certo que eram ainda muitos os que não chegavam lá. E se "chegarem todos lá" se tornou justamente um objectivo, a questão que se coloca é a factura a pagar por uma massificação sem qualidade e com os fracos resultados que conhecemos.Os meus filhos passaram todos pelo ensino público que continuei a mitificar como uma experiência indispensável num processo escolar. Deram-se bem.A última vez que fui a uma reunião de pais, o progenitor da pior aluna explicou-me que o facto de a minha filha ter boas notas se devia a nós termos uma biblioteca em casa e ele não. Pareceu-me uma justificação simplista mas elucidativa de um estado de espírito autojustificativo que marca, em grande parte, o conformismo dos pais em relação aos seus filhos estudantes.Nos últimos 30 anos, a educação tem sido campo de experiências sucessivas, com leis e meias reformas, tornando cada geração uma grande cobaia, na qual se testam teorias e teimosias. Simultaneamente caíram intramuros escolares novos e agudos problemas sociais que deviam ter resposta a montante e a jusante, mas não têm.A escola transformou-se num espaço multifunções, exigindo-se que faça tudo menos ensinar: intervenção social, psicologia, tratamento da pré-deliquência, substituição da rede familiar, prevenção da violência doméstica, remédio para o abandono, a subnutrição, a doença e ainda o esforço diário de contrariar uma cultura de irresponsabilidade e laxismo.A classe dos professores é tida como uma das mais relevantes socialmente e, paradoxalmente, é uma das mais desrespeitadas. Para o que se lhes pede, são escassos os instrumentos de que dispõem para, com autoridade e eficácia, responder aos problemas daquele quotidiano.Para quem, como eu, trabalha com os sistemas sociais no combate à reprodução geracional da pobreza e da exclusão, o qual só é possível num quadro de equidade no acesso a competências que permitam uma progressiva e efectiva autonomização pessoal, para que o filho de um pobre não seja fatalmente pobre, o filho de um imigrante cresça integrado, um filho da droga não se drogue, a filha de uma mãe adolescente não tenha um filho aos 14 anos, etc., etc., sabe bem que o sistema de educação é determinante.Mas o sistema de educação é determinante para educar, para dar competências, preparando para a vida e para a autonomia, no saber pensar e no saber fazer, as novas gerações. Não é determinante para substituir a família, o atendimento social, o centro de saúde, a ocupação dos tempos livres ou as comissões de protecção de menores.Tem sido assim. Os nossos indicadores são péssimos. Os resultados estão à vista, com bolsas de pobreza mais persistentes e um país no geral mal preparado para competir.Estão à vista na nossa economia e nas nossas finanças públicas, nas nossas estatísticas e na nossa falta de norte e de inovação. Porquê, então, insistir neste modelo sem futuro que compromete todos os dias o mesmíssimo futuro português?

1 Comments:

At 2:45 da manhã, Blogger reconquista said...

Os comunistas, que usam a educação para destruir a sociedade natural, livre e laboriosa, criaram deliberadamente ilusões e confusões; e continuam,acobertados pela sistema gigantista, kafkiano da "escola pública vs. republicana"...
Mas os comentadores nostálgicos do velho liceu, os que se acham responsáveis e sensatos (tanto os comunas agora assustados com o fogo que atearam como os "reaças") que recomendam Autoridade, Exigência e outras coisas respeitáveis, não fazem mais que olhar para o pobre umbigo.
Ninguém aprende á força, não há nada mais triste que ter de dar nozes a quem não tem dentes. Acabe o mito da escolaridade obrigatória, da vulgar "cultura geral", o currículo para tolos que é o em que o liceu transformou gerações e gerações de uma classe média presunçosa pela qual o mundo actual se transformou no que está, um mundo de fantasmagorias bem intencionadas ou ardilosas.
Tenha-se em conta a enorme diversidade de inteligências, combata-se o mito da igualdade, nem todos podem ser doutores ou engenheiros, nem todos querem vir a ser intelectuais de café.
Que se espera quando um miúdo limitado apanha com doses de "piano e de francês" pelo dia fora? Que fariam os senhores inteligentes se lhes disputassem doutos argumentos em chinês ou os obrigassem a seguir cursos de física quântica pelo dia fora?
Exigência intelectual sim, para quem pretende os altos voos. Formação técnico-profissional como regra, com muita prática e o menos de teoria, pelo menos nos verdes anos, na iniciação.
Para os limitados, para a mais de metade - QI<100 - aprendizado profissional, prática apenas, repetição, bons hábitos, estímulo de uns poucos cobres, com um acompanhamento escolar muito ligeiro, tão só protector.
Para conferir esta diversidade, esta liberdade,esta adequação, à educação, haverá que destruir o Ministério da Educação.
Ver-se-ia então como todos ficariam satisfeitos, como a disciplina, através da autoridade natural dos professores e dos mestres, seria tão afável quanto rigorosa, tão consentida como eficaz. Claro que a juventude é rebelde e traquina, claro que uma percentagem de rapazes e moças não têm remédio...
A Escola actual mete medo porque não faz sentido. E é agora o medo que leva os Prados Coelhos e outros que cita a pedirem bordoada. Medo dos jovens, puritanismo estreito e estúpido, aí vem o cortejo habitual.
Ponham os olhos na obra do Padre Américo! "Não há rapazes maus" dizia Ele que sabia redimi-los, não com piano e francês, mas com trabalho, com suor, com produto, com vida. O trabalho liberta, o trabalho humaniza. Quanto ao piano, haverá sempre quem aprenda e toque bem para que os que não sabem tocar possam ouvir e,a seu modo, ascender.

 

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