terça-feira, abril 18, 2006

A parlamentarização da magistratura (1)

A propósito da nova direcção da Polícia Judiciária, tudo indica estarmos à beira de uma nova crise "político-judicial", com grande expressão pública e grave dano para o que vai subsistindo do "Poder Judicial".
Recorde-se que na sequência da agitada queda da anterior direcção da PJ o Ministério da Justiça anunciou já uma nova direcção para a PJ, que inclui um juiz colocado em Vila Franca de Xira.
O Estatuto dos Magistrados Judiciais prevê essa possibilidade de nomeação de juízes em comissão de serviço extra-judicial, subordinando-a porém à prévia autorização do Conselho Superior da Magistratura. Ora quem pode autorizar pode não autorizar...
Diga-se desde já que essa previsão legal se vem mostrando, cada dia mais notoriamente, uma porta aberta para a desestabilização e desprestígio da magistratura, para além do evidente prejuízo para a gestão corrente do pessoal (numa carreeira onde é premente a falta de gente como justificar que se desviem umas dezenas de unidades para fora das suas funções específicas?) - pelo que bem se justifica a sua abolição pura e simples (creio que a última voz a pronunciar-se neste sentido foi a do Prof. Jorge Miranda, e falou bem).
Com efeito, os políticos vêm usando os juízes exactamente como o fazem os patrões do futebol: para dar uma imagem de isenção e independência sempre que lhes convém a imagem sem que a ela corresponda conteúdo algum. Deste modo, da mesma forma que há sempre uns juízes disponíveis para integrar órgãos de fiscalização de clubes e federações que, quando a porca torce o rabo, logo se verifica que nada fiscalizavam, assim aparecem uns juízes de nomeação governamental para umas direcções-gerais, ou cargos de direcção policial, tipo PJ, SEF, SIS, até PSP, ou ainda comissões do género Alta-Autoridade para isto ou aquilo.
Por outro lado, há sempre umas dezenas de juízes - que ao que penso se julgam muito mal empregados nas suas funções - que estão disponíveis para tais nomeações. E, como o mal já vem muito de trás, não faltam exemplos de quem tenha feito toda uma carreira em cargos exteriores à judicatura - ou seja, vem a reformar-se como juiz sem, praticamente, nunca ter permanecido efectivamente nos tribunais.
Lembro-me de há uns anos ler nos jornais o curriculum de um senhor que atingia os 70 anos, sendo Presidente do Conselho de Administração da RTP, e no curriculum constava uma lista de 17 ou 18 tribunais onde o tal senhor teria servido. O leitor ingénuo ficava enganado: na maioria desses 17 ou 18 tribunais o referido Sr. Conselheiro nunca tinha ido, nem para tomar posse. Na realidade passou a vida em comissões de serviço, políticas todas elas. E todavia tinha percorrido todo o "cursus honorum"!
O certo é que este mal, que como se disse já vem de longe, se tem vindo a agravar mais e mais; e tornou-se evidente que se formaram no seio da magistratura uma espécie de bolsas de juízes a que o PS e o PSD, à vez, recorrem quando querem fazer o habitual número do cidadão independente. A par dos juízes que estão nos tribunais com os olhos postos nos próprios tribunais coexistem aqueles que lá estão a suspirar pela nomeação governamental.
Trate-se pois de revogar a norma; comissões de serviço, que as haja dentro do serviço, quando o serviço o justifique. São um instrumento de gestão necessário. Quanto a comissões de serviço extra-judicial, que se acabe com a figura. A magistratura não se compadece com situações de ser e não ser.
Ao mesmo tempo, que se clarifique devidamente a incompatibilidade das funções judiciais com os cargos futeboleiros - dando ao Conselho Superior da Magistratura a força que lhe tem faltado para impedir essa fonte de equívocos, anedotas e escândalos.