domingo, dezembro 18, 2005

Cantar d`A Milésima Segunda Noite

Eu vi o Sol em plena noite,
quando ninguém podia vê-Lo...
Eu vi o Sol da meia-noite
a raiar no teu cabelo!...

Eu vi, na luz que não havia,
teu vulto aceso, e, num açoite,
a noite dar lugar ao dia:
ser meio-dia à meia-noite!

Quando ninguém podia vê-las,
vi tuas mãos de Dulcineia.
Não sei se foi noite de estrelas,
mas sei que foi noite de estreia.

Cantavas tu como uma fonte
— canto do cisne, ou de sereia... —
à flor da pele de mar e monte...
E o resplendor da tua fronte,
cingindo todo o horizonte,
dava-te o ar de Cassiopeia!...

E foram mil-e-uma noites,
de fulgor inapagável...,
de boémia, a mais profunda...!

Foram mil-e-uma noites...
Mas nenhuma comparável
à milésima segunda!...

Eu vi luzir, como um tesouro,
no horizonte que me enleia,
o teu cabelo rubrilouro
de medusa e de Medeia!

Quando ninguém podia vê-lo,
vi-te a roubar o arrebol.
Por isso há Sol no teu cabelo,
E sol em Ti, Noite de Sol!

Eu vi soltar-se a areia de ouro
da preia-mar, da maré-cheia,
quando em teu corpo, ó lírio louro,
deu meia-noite, ou noite-e-meia...

E ouvi, então, cantar em côro,
em cada artéria, em cada veia,
o sol do sangue, e o fulvo touro
que te anuncia e me incendeia!

E foram mil-e-uma noites,
de fulgor inapagável...,
de boémia, a mais profunda...!
Foram mil-e-uma noites...
Mas nenhuma comparável
à milésima segunda!...

Há uma seara no teu rosto;
e o assombro todo, que semeia,
tem o seu quê de fogo-posto
a agonizar no azul d`Agosto...
Mais que sol-nado ou que sol-posto,
é como um Sol de lua-cheia!

Eu vi o Sol em plena noite,
quando ninguém podia vê-Lo...
Eu vi o Sol da meia-noite
a raiar no teu cabelo...!

E foram mil-e-uma noites
de fulgor inapagável...,
de boémia, a mais profunda...!

Foram mil-e-uma noites...
Mas nenhuma comparável
à milésima segunda...!

Rodrigo Emílio