sábado, setembro 17, 2005

As coisas que o Manel descobre!

Realmente, estando de fora vê-se muito melhor; reparem só no artigo que Manuel Monteiro publica hoje no "Diário de Notícias".

Na essência tudo é igual, nada muda
A nomeação de Carlos Tavares, do PSD, para presidente da CMVM pode ser encarada de duas formas: ou o Governo PS quis uma pessoa competente e considerou irrelevante o facto de o nomeado ser doutro partido, e até ter desempenhado funções de ministro quando esse partido esteve no Governo; ou o PS mantém a regra do rotativismo nas nomeações, confirmando a lógica da partilha de poder que se arrasta há 30 anos.
Admitindo que o perfil técnico do dr. Carlos Tavares se enquadra nos objectivos desejados para a CMVM, temos de reflectir sobre as verdadeiras causas de tal nomeação.
E temos de o fazer por um simples motivo: Carlos Tavares foi um dos ministros de Durão Barroso mais criticados pelo Partido Socialista, pelo que não deixa de ser estranho como alguém quase considerado incompetente na pasta da Economia reúne agora as condições para liderar esta comissão.
E é precisamente neste ponto que reside toda a fragilidade, se preferirmos toda a imoralidade, do nosso sistema.
Aqueles que conduziram o País à situação em que se encontra, os responsáveis por todos os nossos deficit, os pais do despesismo, os autores de todas as opções políticas erradas continuam aí, como se nada fosse, e são nomeados para importantes lugares como paga pelos "excelentes" serviços prestados à Nação.
Ao longo dos anos, com uma desfaçatez total, a Caixa Geral de Depósitos, a TAP, a CP, o Metro, a PT, a EDP, a Águas de Portugal, a CMVM, as antigas ANA, os Correios, as Estradas de Portugal, a RTP, a Emissora Nacional, a Galp, as administrações hospitalares e mais recentemente as empresas municipais têm funcionado como o exílio dourado para os donos do sistema, independentemente de terem gerido bem ou mal os ministérios por onde passaram.
Esta situação só não é denunciada, eficazmente combatida e realmente alterada porque os principais partidos, o PS, o PSD e até mais recentemente o CDS, têm um acordo tácito.
Através dele, os seus ex-ministros, ex-secretários de Estado e por vezes até ex-deputados são conduzidos a lugares com compensações ainda superiores àquelas que anteriormente auferiam.
Na realidade, e a despeito do poder soberano do voto, o rotativismo não ocorre apenas na governação, ele existe ao nível do aparelho do Estado.
E é este rotativismo das nomeações no aparelho do Estado que, longe de qualquer escrutínio popular, exerce o verdadeiro poder. Estão lá quase todos. Saíram do Governo do País, mas encontram-se no governo das empresas e institutos que o controlam.
Com o passar do tempo, até os vemos surgirem como comentadores das decisões de quem os substituiu, ditando sentenças e apontando metas, mesmo que nada do que agora proclamam tenha por eles sido praticado.
Nestas circunstâncias de que serve governar bem? De que serve ter sentido de Estado, ter zelo no desempenho da missão pública e orgulho quando se alcançam bons resultados? Há justiça quando os maus governantes, apesar de não terem solucionado os problemas, apesar de muitas vezes os terem agravado, apesar de nos terem conduzido por caminhos errados, recebem como prémio um lugar de administrador numa empresa pública ou numa instituição do Estado? Há nisto justiça? É desta forma que conseguimos maior adesão dos cidadãos ao sistema? É desta forma que lhes transmitimos rigor? É desta forma que os motivamos para o voto? Claro que não é, mas quem governa é a isso indiferente.
Na nossa democracia o poder não está nas mãos de quem vota. Desiluda-se quem ainda o pensa. O poder está nas mãos de um apertado núcleo duro, transversal e suprapartidário que transformou a República numa Oligarquia, num "governo de poucos", de muito poucos, aqueles para quem - faça sol ou faça chuva - tudo é normal.
De quando em quando, montam a tenda do circo e os da oposição dizem-se ofendidos, mesmo chocados, com a quantidade de boys que os da situação nomeiam.
Fazem-se então comparações, apresentam-se números e equiparam-se critérios sobre as escolhas.
Mas, na essência, tudo é igual, nada muda, porque há sempre um companheiro de partido, um primo, um aliado político, que comodamente se instala numa cadeira do poder.
Tinha nesta matéria razão Pierre Bourdieu quando apontava, na República, a existência de uma nobreza do Estado, recheada de poder, de honrarias, de títulos e de cargos.
Fechada sobre si própria, esta nova nobreza é indiferente a eleições, a sondagens, à opinião pública.
Ocupou o Estado e está disponível para todas as alianças.
Porquê? Porque o seu único objectivo é de lá não sair. Tudo o mais é simples retórica, apenas para dar a ideia de que o sistema funciona.
E o PS, o PSD e o CDS sabem-no bem!