quarta-feira, agosto 31, 2005

PRINCÍPIOS, MEIOS E FINS

Algures no século passado um amigo dizia-me que o problema nas direitas está em que os que têm princípios não têm meios e os que têm meios não têm princípios. A observação correspondia, evidentemente, a uma forma irónica de levantar questões complicadas.
Embora tenha encontrado graça no dichote, devo dizer que, após maturação da ideia, não acompanho a tese que dali se pode depreender. O problema das direitas não é só o que literalmente é apontado, embora não se possa ignorar esse. Com efeito, quando por contingências do destino se verificou a coincidência de se reunirem meios em mãos de quem mantinha princípios também os resultados não foram famosos.
Julgo que para além dessa separação entre princípios e meios sintetizada amargamente no comentário (aos que têm uns faltam-lhes sistematicamente os outros) outros problemas existem a afectar a direita e a obstar à sua afirmação política.
Desde logo, importa salientar que frequentemente também lhe faltam os fins. Ter um alvo, uma meta, um objectivo, uma finalidade – é um requisito necessário para que a acção política surja ordenada e consequente. Aliás, tem sido nos momentos históricos em que de modo mais claro se apresenta uma causa ou um factor de mobilização imediato e visível que a animação das hostes direitistas se tem temporariamente verificado, ocorrendo então também os poucos êxitos que se podem anotar. Acontece, como qualquer analista concordará, que quase sempre essas mobilizações ocorreram em resultado do desenrolar da agenda do adversário, conferindo à actuação direitista a característica de mera reacção que tantas vezes lhe é notada.
Não surgindo estímulos exteriores, a normalidade é a apatia que vem garantindo a inexistência prática de uma intervenção política de direita na vida pública portuguesa.
O que falta então de substancial (para além de numas vezes faltarem princípios, noutras faltarem meios, noutras faltarem fins, e de noutras faltar tudo)?
Creio bem que, pelo menos, falta gente. Não é mais do que ilusão consoladora aquele raciocínio que encontramos muitas vezes servido sob várias formas mas que assenta sempre no pressuposto da existência discreta de uma massa adormecida de direitistas fiéis, quando não de um país profundo agarrado a convicções “nossas”, ou mesmo de uma “maioria silenciosa” escondida e submersa pelas minorias ruidosas.
Sem embargo de reconhecer a realidade que pode estar subjacente a alguns destes lugares comuns (o afastamento entre a opinião do cidadão médio e a opinião mediatizada, a desproporção entre o peso numérico de certas minorias e o seu poderio efectivo) a verdade é que autênticos militantes, doutrinados, esclarecidos e conscientes, de projectos políticos de direita ou à direita, são espécie rara, escassa por demais para constituir um movimento expressivo e representativo no conjunto da sociedade. Somos poucos; globalmente dá para nos conhecermos todos e encher um jantar.
E acreditar que no fundo dos instintos vulgarizados das massas ainda possam viver e predominar os tais princípios que se evocam não passa de uma crença ingénua e desconforme às realidades sociais. As massas por si mesmas não conservam princípios nenhuns, guiam-se de acordo com os que lhes forem inoculados por aqueles que de um modo ou de outro tenham a sua direcção efectiva e modelem o seu pensar e o seu agir.
Pergunta-se então o que fazer, à direita. Parece-me que na direita em Portugal tudo está por fazer, pelo que nada do que se fizer será demais. Manter e defender os princípios, procurar e organizar os meios, programar e definir os fins.

1 Comments:

At 12:47 da tarde, Anonymous Anónimo said...

100% de acordo. Belo texto que corrobora tudo o que tenho vindo a dizer desde...1982. Aliás, julgo que já nem se deve perder mais tempo a discutir sobre a existência ou não de "uma direita portuguesa". Esta, de facto, não existe. Como não tenho envolvimento político com qualquer grupo, tenho votado de acordo com a minha percepção do interesse do país e do Estado.

 

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