domingo, julho 17, 2005

A nacionalidade herda-se?

Evidentemente, a resposta é não.
Dizer que a nacionalidade herda-se permite de imediato a pergunta-resposta óbvia: posso deixar a minha a quem quiser?
Lego-a em testamento ao meu vizinho paquistanês? Ou talvez ao meu gato?
Para um jurista, a perplexidade do cidadão vulgar dotado de senso comum tem explicação fácil. A nacionalidade adquire-se, mas não se herda.
O fenómeno sucessório verifica-se normalmente nos direitos de carácter patrimonial; o sucessor fica investido na posição daquele a quem sucede. O direito é o mesmo, o seu objecto é o mesmo, o sujeito é que muda.
É bem de ver que o que se verifica na propriedade de uma casa não é identificável com o que se passa com a nacionalidade.
Para ver o absurdo da afirmação criticada, se levada ao seu desenvolvimento lógico, basta lembrar que em regra os direitos subjectivos de natureza patrimonial transmitem-se não só por morte ("herdam-se") como se transmitem entre vivos: compram-se, doam-se, etc.
Nesse caso, se fosse possível configurar a nacionalidade como um direito subjectivo teria que se analisar também a possibilidade da doação ou da venda, como uma faculdade própria da autonomia privada do sujeito. Nada impediria o cidadão no pleno gozo dos seus direitos de vender a sua a um interessado indiano à procura de legalização.
A verdade é que nesta existe aquisição originária e não aquisição derivada, seja transmissão ou sucessão (se fosse este o caso, para um sujeito ter outro deixaria de ter, fosse por morte fosse por negócio jurídico).
A confusão´é fácil de desfazer: a nacionalidade não se herda porque não é um direito subjectivo, muito menos de carácter patrimonial.
A nacionalidade (não vou agora cuidar de distinções entre nacionalidade e cidadania) é um estatuto pessoal, um complexo de direitos e deveres, e as condições da sua aquisição são reguladas pelo Direito interno de cada entidade soberana.
Como estatuto, pode estabelecer-se a regra de que o adquire automaticamente, sem necessidade de qualquer manifestação de vontade, quem seja filho de outros que já o detenham. Como se vê, não se trata de "herança": os progenitores não precisam de morrer, nem o filho de esperar por isso, para se dar a aquisição.
Este critério base tem sido geralmente o preferido pelos velhos estados, de população estabilizada e em regra fornecedores de emigração.
O outro critério base mais comum é o que se baseia na aquisição tendo por elemento definidor o lugar de nascimento: adquire certa nacionalidade, de imediato e sem qualquer processo administrativo ou judicial para isso, quem nascer dentro das fronteiras definidas pela soberania em causa.
Este critério tem sido preferido pelos estados jovens, criados por imigração e precisados de massa crítica populacional. Os Estados Unidos, o Brasil, a Austrália ou o Canadá não podem nesta matéria ter a mesma regulamentação que convém a Portugal, à Suíça, à Dinamarca ou à Irlanda.
E deixamos de lado o caso atípico de Israel, que tenta assegurar a coesão interna e ao mesmo tempo os laços com as comunidades exteriores estabelecendo para si critérios rácicos que consideraria grave escândalo se fossem escolhidos por qualquer outro.
O que me parece certo neste momento em que de novo se discute a Lei da Nacionalidade em Portugal é que convém saber do que se fala antes de emitir opiniões ou palpites.
Portugal carece de definir e estabilizar normativamente o modelo que sirva melhor os seus interesses na actual conjuntura histórica, e com os olhos postos no futuro.
Para discutir esse modelo com seriedade é indispensável ter algum conhecimento na matéria, não ajudando de nada andar por aí a gritar por ou contra esta ou aquela "Lei da nacionalidade" sem nunca ter lido nenhuma.

5 Comments:

At 1:50 da tarde, Blogger PlanetaTerra said...

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O LEGÍTIMO DIREITO AO SEPARATISMO

--- Os Povos Nativos são a forma como o Ser Humano evoluiu nas mais variadas regiões do Planeta ( os Nativos possuem características físicas... que são a forma como a espécie humana evoluiu nas mais variadas regiões do Planeta ).
--- A existência de Povos Nativos no SEU espaço é uma Identidade com muitos milhares de anos... que deve ser RESPEITADA e PRESERVADA!
--- Dito de outra forma, o Direito à Sobrevivência dos Povos Nativos... no SEU espaço... deve ser considerado um DIREITO UNIVERSAL!

http://divisao--50--50.blogspot.com/
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At 11:42 da manhã, Blogger Orlando Braga said...

O meu filho mais velho nasceu na Alemanha, e só por isso, pôde optar (ele, não o pai) aos 18 anos (maioridade) pela dupla nacionalidade. Não estou contra esta filosofia da nacionalidade. Estou é contra o "deixa-entrar-o-pessoal-à-vontade-e-depois-logo-se-vê". E contra a lei do aborto e os fracos incentivos à natalidade que que produzem um índice de natalidade de 10 nascituros por 1000 habitantes em Portugal, quando na Irlanda, com um aborto restrito, é de 15 nascituros por 1000 habitantes.

 
At 9:51 da tarde, Blogger Caturo said...

A Nacionalidade herda-se sim e argumentar de modo contrário baseando-se para isso no que diz um jurista, é tentar esvaziar o conceito de herança do seu significado global: herdar não é uma noção meramente jurídica, herdar significa tão somente «receber como herança; adquirir por parentesco ou HEREDITARIEDADE».

Assim, o sangue herda-se.
A família herda-se.
A raça herda-se.

Só quem concebe a Nação como algo de meramente jurídico-político (atitude ideológica típica dos patriotas não nacionalistas) é que pode escrever o texto de Manuel Azinhal.

Pelo contrário, um nacionalista considera que a Nação, antes de ser uma realidade jurídica, é uma realidade antropológica, étnica, física também.
E, neste campo, as voltas e reviravoltas do Direito pouco ou nenhum peso têm.

 
At 9:53 da tarde, Blogger Caturo said...

Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

 
At 12:36 da tarde, Blogger Caturo said...

Por conseguinte, e usando parte do discurso de Manuel Azinhal, a Nação é uma herança de uma ordem mais intrínseca do que qualquer propriedade jurídica - é algo que não pode ser separado do homem, algo do qual o homem não pode dispor por sua livre e espontânea vontade.

 

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