segunda-feira, março 14, 2005

A (re)fundação da direita

Russel Kirk dizia que «as ideias têm consequên­cias»... Olhando os resultados do «centro-direita», eu di­ria que a sua falta (das ideias) também!
Esta é a primeira lição a tirar da «hecatombe»: mais que uma «direitização» - como sustenta Pacheco Pereira, que seria a «corrupção» de uma linha geral social-democrata que iria de Sá Carneiro a Durão Barroso -, mais que a aliança com o PP, penso que o problema do PSD, além da divisão à volta da figura do líder, foi a ausência de ideias.
E que ideias tinha este PSD que fossem diferentes das do anterior? E que ideias em geral? Na doutrina «pêessedista», o que se diz da Nação, do Estado, das questões culturais fractu­rantes, da Europa, da proprieda­de, que seja diferente do ideá­rio do PS?
Porque o partido social-de­mocrata em Portugal é o PS; foi assim desde que o dr. Soares afastou ou integrou os esquerdistas do MES e arrumou na ga­veta o socialismo; e passou para a beatitude comemorativa, com direito a cravo na lapela e lugar em S. Bento no 25 de Abril, os MFA e conselheiros da revolução. E fê-lo a partir de 1976, quando lhe deram votos e sossego para o fazer; e para fi­car na NATO e ir para a Euro­pa do capitalismo.

UMA (PESADA) HERAN­ÇA - A política partidária portuguesa reflecte ainda as suas condições genéticas: a legitimidade «antifascista» do 25 de Abril de todos; o peso envergo­nhado da «descolonização» de ninguém; o medo da burguesia do perigo vermelho; o pacto MFA-partidos como alvará polí­tico; e a personalidade dos fun­dadores desses partidos.
No fundo, eliminado o regi­me autoritário e abandonado o Império - dois temas em que a nova classe política era unâni­me -, enfrentaram-se dois mo­delos de sociedade. Um, revolucionário, totalitário e democraticamente minoritário - o de Cunhal e do PCP, com parte do MFA. Outro, comum ao PS, ao PSD, ao CDS e ao resto dos militares, que era de democra­cia política e economia de mer­cado. Socialismo, social-demo­cracia e democracia social foram só etiquetas de recurso ou conveniência.
A direita ideológica foi bani­da e a direita sociológica passou a votar nas etiquetas permitidas; depois de 48 anos sem liberda­des políticas, não era muito es­quisito. Mas o nó do problema nasceu aqui mesmo, desta regra, que a esquerda, em parte por má-fé em parte por estupidez convicta, impôs e explorou com sucesso: Salazar defendera, autoritariamente, um ideário espiritualista, nacionalista, conservador, que proclamava Deus, Pátria, Família. E propriedade! Logo estes princípios - todos - eram antidemocráticos, fascistas e maus. E deviam ser banidos dos projectos políticos democráticos. Mesmo que fossem o apanágio dos partidos conservadores, democratas-cristãos e republicanos da Europa e dos Estados Unidos.
Por isso os partidos baniram-nos e ficaram com valores de esquerda, linguagem de esquerda, «tiques» de esquerda. Pensando que a direita não tem outra hipótese senão votá-los, como mal menor. Um mal menor que foi sendo cada vez maior e pior!
No 20 de Fevereiro, o PCP subiu com o «rosto humano» de Jerónimo de Sousa; o BE, menos «humano», foi o único a falar de política, «reabilitando» o utopismo trotskysta. O PS incorporou uma votação díspar dos seus eleitores, mas também do anti-Santana Lopes e da vontade de um governo de maioria que lhe permitisse governar sem o BE e o PCP. O PSD vai reflectir os traumas da saída de Barroso e do legado de Santana Lopes: a divisão fratricida de uns «barões»; cólera de outros; alheamento da maior parte; e a indignação das famosas «bases». E, à falta de uma identidade de ideias e projectos, a dificuldade de encontrar, fora do poder e sem um chefe, a coesão. O PP esteve unido mas não lhe adiantou muito: a falta de definição quanto à questão nacional - referendo europeu - e a dificuldade de uma credibilidade circunstancial vencer um itinerário que nem sempre a teve, explicam que não subisse, senão em Lisboa, com a transferência dos votos de classe média-alta e alta do PSD.

IDEIAS EM PRIMEIRO LUGAR - Por tudo isto não sairá daqui uma alternativa, porque esta tem de ser por definição («alter», outro) diferente do que está.
Em 1976, depois do Thermidor de 25 de Novembro, a direita - a pensante, a activista, a que tinha ideias e que saía da prisão ou voltava do exilo - encontrou as suas «tropas» da classe média católica e do «campo» do Norte a votar «útil» nos partidos do «sistema».
As alternativas eram o exílio interior, como tinham feito os miguelistas no Constitucionalismo ou os católicos italianos no Risorgimento; ou o entrismo dos franquistas espanhóis na UCD e no PP. Aconteceu o compromisso e distribuiu-se, grosso modo, em três linhas: para o PSD, individualmente; para o CDS com Lucas Pires, organicamente; e para o combate cultural, nas revistas de intervenção e nas universidades.
Hoje talvez seja a altura de começar pelo princípio: pelas ideias.
Que são sempre as mesmas - como as de esquerda -, embora mudem as fórmulas e símbolos: uma concepção idealista do mundo e do homem; uma consciência crítica de realismo antropológico e social, que valora as comunidades e instituições, como a nação, a família, a propriedade; e que combate a tábua rasa que desconstrói e destrói tudo isto na planificação da utopia. Este é um «corpus» de ideias, uma filosofia política alternativa que deve ser traduzida politicamente nas ideias e na ideologia; e, finalmente, escorar as políticas sectoriais.
Não sei se estes valores são património exclusivo da direita. Por mim, penso que a defesa dos princípios cristãos, do valor da nação como comunidade solidária dos cidadãos e da família e da propriedade, como realização do homem nos afectos e nas coisas e garantia da sua liberdade; esta é a direita com que me identifico - patriótica; realista, solidária, livre, mas consciente de que o bem comum existe e é superior à soma e à subtracção dos bens e interesses individuais.
Neste sentido sou de direita; talvez parte destes valores tivessem sido sustentados pelo Estado Novo; como outros foram pela Primeira República. Mas hoje, trinta anos depois do fim do «fascismo», da descolonização irresponsável, das socializações arbitrárias, das violências do PREC; hoje, num país atrasado, cheio de carências, na cauda da Europa - e tão na cauda pelo menos como estava no «fascismo» - é tempo para pensar e criar, sem medo de fantasmas nem tabus.

Jaime Nogueira Pinto
(in "EXPRESSO")