quarta-feira, fevereiro 23, 2005

Batalhas à esquerda

Ainda pouco se sabe sobre a composição do primeiro governo da era socrática e já uma certeza desponta: nos tempos mais próximos o mesmo terá que se confrontar sobretudo com os desafios da esquerda.
Na verdade, as duas forças à esquerda, a CDU e o BE, saíram aparentemente reforçadas do escrutínio de domingo passado. Mas sabem que o seu bom sucesso nasceu da contestação e do descontentamento, eficazmente utilizados como vectores de mobilização.
Tenho como certo que a existência de maioria absoluta do PS vai paradoxalmente contribuir para a radicalização dessas duas forças, em competição entre elas e em permanente reivindicação perante o governo.
Houvesse o resultado sido diferente, e precisasse o PS vencedor dos votos na assembleia de algum dos dois partidos à esquerda para completar maioria, outra seria a situação. Ambos escolheriam a pose responsável e moderada, própria de quem se apresenta a negociar e se propõe celebrar acordos feitos de concessões recíprocas.
Porém, o PS não carece de qualquer negociação para ganhar votações no parlamento.
Sendo assim, os dois partidos à esquerda correm o risco de ver esvaziar-se a sua mobilização eleitoral, e regressarem às suas dimensões nasturais, desfeito o artificial inchaço, quando novas consultas se depararem ao eleitorado.
A única forma de tentar evitar isso é continuar a malhar enquanto o ferro esteja quente. Não permitir que esmoreçam as massas mobilizadas, não deixar cair os temas mobilizadores, impedir que a governação PS se encaminhe para a normalização rotineira - que significará a prazo a desilusão e o afastamento desinteressado do povo de esquerda.
A tendência será consequentemente para o agudizar das lutas, para usar o jargão dessas seitas. Cada uma recorrerá às armas que tem, nas ruas, nos jornais ou na sociedade em geral para arregimentar o povinho em constante pressão sobre o governo PS, apresentando a este as exigências e as facturas - sobretudo as que ele não possa satisfazer.
Deste modo, e aqui o paradoxo que referimos, a maioria absoluta pode não apenas não trazer necessariamente a estabilidade e a paz social almejadas, mas até contribuir muito para a inexistência destas.
Parece-nos previsível que nestes meses que se seguem, pelo menos até às autárquicas, pode o governo novo contar com tréguas à sua direita. Estão e estarão os partidos dessa área suficientemente ocupados a lamber as feridas, a acertar as contas, a reorganizar-se internamente. Todavia, do lado esquerdo não haverá esse descanso: esses vencedores frustrados (vencedores porque obtiveram bons resultados, frustrados porque não lograram que tais resultados os tornassem indispensáveis à governação e os introduzissem no círculo do poder) terão que fazer tudo para que os eleitos não possam fazer-se de esquecidos quanto aos seus compromissos, e para que o triunfo da esquerda não tenha a breve prazo a consequência de esvaziar a esquerda que eles são.
Há-de ter que ver, no parlamento e fora dele, este combate incessante do BE e da CDU para colocar o PS perante testes, armadilhas, definições, escolhas e decisões que os socialistas gostariam de evitar e adiar indefinidamente, como é tradicional lá por casa.