quarta-feira, janeiro 26, 2005

Brasil: o impasse político decorrente do revés eleitoral do PT

Alguns meses se passaram desde o término das eleições municipais, e o País continua a viver um impasse político, decorrente dessas mesmas eleições.
O Presidente Lula da Silva e seu governo, comandado pelo Ministro da Casa civil José Dirceu, tinham em marcha um projeto de poder marcadamente socialista e, para firmá-lo, contavam com o bom desempenho eleitoral do Partido dos Trabalhadores (PT) nas eleições municipais. Visando esse fim o governo conferiu dimensão nacional ao pleito, centrado de modo inequívoco na reeleição em São Paulo da Prefeita Marta Suplicy do PT.
Entretanto, as urnas trouxeram uma surpresa, pois o PT sofreu derrota muito marcante em São Paulo e em outras cidades importantes do País. Do ponto de vista do simbolismo ideológico destacou-se Porto Alegre, a capital dos Fóruns Sociais Mundiais.
Convém recordar que o próprio Presidente Lula se engajou pessoalmente nas disputas mais cruciais para o Partido. Sua alegada taxa de aprovação popular, no entanto, não conseguiu reverter os resultados, chegando em alguns casos sua intervenção no processo eleitoral a tornar os índices ainda mais desfavoráveis ao PT.

Tensão ideológica e correcção de rumos
Nestes dois anos de governo, foi-se verificando na opinião pública uma crescente tensão ideológica, que afectou a grande massa, preponderantemente centrista e conservadora. Os métodos autoritários utilizados para combater opositores, até mesmo os opositores internos do PT; o assalto partidário à máquina pública; a leniência em relação aos movimentos revolucionários de esquerda, como os sem-terra e os sem-tecto, que viram o caminho praticamente livre para a agressão impune do direito de propriedade; a instabilidade no ambiente econômico, pela violação de contratos e indefinição de regras; a política externa, com fortes notas de anti-americanismo, privilegiando alianças ideológicas em detrimento dos interesses comerciais do País, tudo acabou por gerar uma crispação da opinião pública em relação ao governo de Lula da Silva e a seu partido. Crispação que teve sua culminância na eleição municipal.
O processo eleitoral, muito mais do que favorecer esta ou aquela agremiação política, mostrou que o público, sobretudo a classe média de grandes centros urbanos, estava decidido a barrar o caminho à marcha esquerdizante, com tintas autoritárias, que se vinha desenrolando.
Diante de tal resultado o ambiente mudou irremediavelmente. O PT tentou um verdadeiro malabarismo para minimizar a derrota, ou até mesmo negá-la, e, sobretudo, para salvar o Presidente Lula da responsabilidade do fracasso eleitoral. Esforço não muito eficaz, pois até entre as hostes do PT houve larga troca de acusações para apurar as razões ou os culpados pelo ocorrido, apontando alguns a responsabilidade ao próprio Presidente.
Após a clara derrota político-ideológica do PT/Governo, muito se tem falado da necessidade de uma correcção de rumos e de uma ampla reforma ministerial, a qual, entretanto, não se define e tem sido seguidamente postergada.
Os assessores próximos a Lula parecem estar, sobretudo, preocupados em articular uma base política que permita a reeleição do Presidente em 2006. Esse esforço de articulação, que não se tem mostrado fácil, estaria atrasando a própria reforma.
O que se verifica no momento é uma paralisia da atual administração, tomada por uma indecisão de rumos. Como observou alguém, de tanta certeza na vitória eleitoral, o governo Lula da Silva nem sequer tinha um plano B para a derrota.

Esboroamento da base de apoio político do governo
Como consequência mais imediata e visível do resultado das urnas, algumas figuras importantes da esquerda abandonaram ou foram afastadas do governo Lula da Silva.
É de destacar o pedido de demissão de Frei Betto, assessor especial do Presidente, destacada figura da "esquerda católica" e da Teologia da Libertação, amigo íntimo e até conselheiro espiritual de Lula. Ele articulava a relação do governo com as Comunidades Eclesiais de Base e os movimentos ditos sociais, como o MST. Um dos responsáveis do Programa Fome Zero e de programas sociais do governo - por meio dos quais tentou criar organizações populares ao estilo dos conselhos da revolução de Cuba -, Frei Betto alegou motivos pessoais para abandonar o governo.
Também se destaca a decisão de Lula da Silva de afastar Carlos Lessa, Presidente do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), representante de uma corrente de economistas socialistas e nacionalistas, ligados ao PT. Adversário do assim chamado neo-liberalismo, Lessa, com seus assessores, tinha promovido um verdadeiro expurgo no BNDES, subvertendo a organização interna do órgão, afastando, por motivos ideológicos, profissionais altamente capacitados; e defendia em público um regime econômico fortemente estatizado, com sérias restrições a capitais privados, sobretudo internacionais.
Também como conseqüência da derrota eleitoral o governo Lula da Silva tem visto esboroar-se sua base de apoio. Dois partidos da aliança governamental manifestaram intenção de abandonar o governo Lula. O primeiro deles é o PMDB, o partido com maior representatividade parlamentar e que conquistou o maior número de prefeituras, nas recentes eleições municipais. O governo de Lula da Silva tem tentado alimentar uma divisão interna no PMDB, através de alguns elementos do próprio partido, favoráveis ao governo, como o Presidente do Senado, José Sarney, na esperança de manter a aliança com o Partido.
O segundo partido, o PPS, sucessor do antigo Partido Comunista Brasileiro, se bem que registrando igualmente uma divisão interna, anunciou formalmente sua decisão de abandonar o governo.
Numa estranha intervenção do governo na vida interna de outras agremiações políticas, Lula da Silva pediu aos Ministros dos dois partidos que não acatem as decisões de seus órgãos internos e permaneçam no governo.
Um outro fruto das recentes eleições foi a antecipação, na arena política, do tema da sucessão presidencial de 2006. O PT dá muita importância à reeleição de Lula da Silva e suas articulações políticas no momento parecem levar muito em conta essa meta. O PFL, partido de oposição, já anunciou candidato à sucessão de Lula. Outras articulações estão em curso.
Neste quadro, chamou também a atenção a intervenção na cena pública do ex-Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso. Até agora vinha ele mantendo uma atuação discreta, pontuada aqui e ali com ponderações, por vezes até ligeiramente críticas, que nunca foram consideradas sérios ataques ao atual governo. Numa mudança de tom que chamou muito a atenção e teve larga repercussão na imprensa, Fernando Henrique formulou contundentes críticas ao governo Lula da Silva.

Indefinição de rumos e o advento de algum factor inesperado
As notas de indefinição e de incerteza talvez sejam as que mais se desprendem do atual momento político. O senador Pedro Simon, do PMDB, alertou há dias que o País vive um momento muito perigoso.
Muitos apontam como necessária uma correção de rumos do governo. Mas, fruto dessa mesma incerteza, torna-se difícil fazer previsões sobre o rumo que adoptará a actual administração, não se podendo até descartar o advento de algumas medidas inesperadas.
Talvez um desses inesperados seja o anúncio da intenção do governo de conferir ao mandato presidencial a duração de seis anos, na discussão próxima da reforma política.
Simultaneamente, o Ministro da Coordenação Política, Aldo Rebelo, e o Presidente do Senado, José Sarney, aliado do governo, defenderam em público um mandato presidencial mais longo, sem direito a reeleição.
Logo em seguida foi a vez de Luiz Gushiken, da Secretaria de Comunicação e Gestão Estratégica da Presidência da República, defender a tese da extensão do mandato presidencial para seis anos. Gushiken, fundador do PT, ex-trotskista que permanece fiel ao marxismo, e que, juntamente com José Dirceu, integra o núcleo duro do governo, alegou em favor de sua proposta o inconveniente para o País da repetição frequente de debates eleitorais.
Os três pronunciamentos - talvez propositalmente -, foram dúbios, pois não
deixaram claro se tal mudança prevê a ampliação do actual mandato de Lula, ou se a duração de 6 anos valeria apenas para o próximo mandato.
Entretanto, segundo a imprensa, sabe-se que a tese da ampliação do mandato de Lula tem ganhado terreno dentro do governo. De qualquer modo a mudança, ainda que só no próximo mandato presidencial, visaria beneficiar Lula da Silva.
Cabe uma pergunta: diante da crescente frustração e descontentamento público face ao projeto esquerdizante do PT, estará o governo Lula da Silva disposto a levar a cabo uma série de reformas políticas - até mesmo constitucionais - que garantam a manutenção de Lula e do PT no poder, para consumarem a "revolução social" anunciada por José Dirceu nos primeiros dias de governo? Ou seja, trilhar a via do Presidente venezuelano, Hugo Chávez, que reforçou, por todos os meios (nova constituição, aumento do mandato presidencial, etc.), os mecanismos legais, a fim de permanecer no poder para levar a cabo sua revolução bolivariana? Não seria esta a única afinidade e semelhança entre o processo político dos dois governos.

(TFP)