domingo, outubro 24, 2004

Postal para os amigos do Belenenses

Ponto primeiro: da importância da colocação de um advérbio. Há dias, ao saudar o aparecimento de um novo blogue, escrevi que o blogueiro também era do Belenenses, portanto sabia perder. E desabafei: - “sina nossa”... O advérbio estava mal posicionado, e um leitor concluiu que eu também era do Belenenses. O que eu quis dizer era que também sabia perder: coisas do hábito. Nisso me irmanava com o belenense. E com outros, que há mais belenenses a frequentar esta casa, e perdedores então é um enxame.
Vem isto hoje muito a propósito, e fez-me lembrar outros belenenses. Não só o Raul Solnado, que já não fala nisso, mas outros. Olhem, por andar virado para as letras, como se notou nos postais dedicados à Agustina e ao Pacheco, lembrei-me do B.B. Um belenense fanático. E comuna também, da célula da Trindade (expressão do Pacheco), mas isso não é para aqui chamado. O B.B., vocês todos sabem quem é. No mundinho dos jornais não havia quem não conhecesse o Bê-Bê, o Armando para os mais chegados, o Ventoinhas para outros (designação carinhosa que ganhou com aqueles vistosos laços que usa sempre por baixo dos queixos, a aparar a baba) ou ainda o Seca-Adegas (escuso-me de explicar o porquê, mas se fizerem questão também explico).
Pois o Baptista-Bastos é, essencialmente, jornalista. Nos últimos anos tem crescido a sua obra de ficcionista, puxou cá para fora, a acenar à posteridade, coisa que reputou de maior fôlego. Não admira, é do tempo em que escritor que não produz romance não é escritor nem é nada. Mas fico na minha, ele é essencialmente jornalista, e um homem para escapar à sua essência é o cabo dos trabalhos. Ora em tempos que já lá vão publicou ele recolha de trabalhos jornalísticos, “As Palavras dos Outros” (agora até reeditado no Círculo de Leitores, e vivó luxo), onde procurou resgatar das páginas dos jornais velhos escritos que por lá tinha deixado. Fez bem, que um livro é uma morada com outro asseio, e alguns dos trabalhos têm sabor e digerem-se bem.
Para comprovar, provai então todos deste naco de conversa com o mito maior da família belenense – o craque Matateu. Delicioso. E vejam lá como em quarenta e tantos anos o futebol mudou tão poucochinho que os futebolistas não mudaram nada.
(A propósito: dizem-me que o Porto foi jogar a Paris sem o Olegário Benquerença. Mas porque é que o homem não alinhou logo de início? Depois queixam-se!).

“MATATEU: O DEUS VELHO: Matateu-Monumento foi incubado nas Salésias, num famoso encontro de futebol que opôs as equipas do Belenenses e do Sporting. Fautor primeiro da clamorosa vitória do grupo de Belém, o rapaz foi sacado aos ombros por uma multidão congestiva. A coroação processou-se no dia imediato. Cronistas desportivos, em lufa-lufa de imagética, besuntaram o nome de Lucas Sebastião da Fonseca com cognomes bizarros: “O Napoleão do Futebol Português”, “O Artilheiro Negro” ou “Perigo na Grande Área com Matateu ao Remate”. Foi assim. Falo com Matateu. Pergunto:
- Costuma ler?
Ele:
- Jornais. A secção desportiva dos jornais. Gosto muito de ver o meu nome nos jornais.
- Sabe quem é Hemingway?
- Não.
- E Picasso?
- Esse também não.
- E Aquilino Ribeiro?
- N... Espere aí... Ribeiro, disse Aq... a quê? A-aqui-ni-lo Ribeiro?
- Não foi Aquinilo Ribeiro, foi Aquilino Ribeiro.
- Pois. Não, não conheço mesmo nada esse nome.
- Gosta de música?
- Um pouco.
- Sabe quem foi Beethoven?
- Não.
- E Wagner?
- Não.
- Mas gosta de música?
- Um pouco. Samba. Sim, gosto de samba.
- Que divertimentos prefere?
- O cinema. Mas é uma chatice. Adormeço sempre. As letras daquilo que eles dizem passam a correr. Adormeço sempre.
- Leu alguma vez algum livro?
- Nunca até ao fim.
- Porquê?
- Não percebo o que os livros querem dizer.
- Você tem viajado muito. De que país gostou mais?
- Da Itália.
- Porquê?
- Por causa das mulheres. Lindas. Comi algumas. Muito boas. Gosto bastante da Itália. Que rico país para um preto viver!
- Ouça uma coisa, Matateu...
- Olhe, escreva o que quiser; é assim que eu faço sempre, quando estou com um jornalista que me parece bom rapaz. Escreva o que quiser e ponha essas palavras na minha boca. À vontade. Mas não ponha lá que eu disse mal... Matateu não diz mal de ninguém.”

1 Comments:

At 4:38 da tarde, Anonymous Anónimo said...

De facto é bonito, é...triste, mas belo pela simplicidade, eram outros tempos, eusébio era igual, e tantos outros.
Sendo Belenense, sei que esse texto não abona em nada ao prestigio do clube, afinal o que interessam as palavras quando o que o povo quer é golos lá para dentro. E nisso o matateu comia-os todos (não eram só italianas), um abraço.
E obrigado pela reliquia.
P.S. Veja se descobre uns do Eusébio...devem ser umas pérolas...

 

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