quinta-feira, outubro 14, 2004

Crónica do dia

Há uma eternidade que não escrevo nada aqui. Nunca tinha deixado passar tanto tempo sem alimentar o bichinho, desde que o animal veio à luz. Verdade que sem ser eu mais ninguém notou a falta. Passei por uma data de gente ali entre a Porta de Moura e a Praça do Giraldo, ida e volta, e não notei ninguém especialmente triste. A bem dizer, estavam todos iguais às outras vezes (e juro que passo por ali muitas vezes). Cruzei-me com umas centenas de pessoas bem contadas. Tinham todos a mesma cara, e não fora uns grupinhos que estavam frente à porta da Igreja da Misericórdia (havia velório) não vislumbrei sombra de desgosto.
É a vida, como diria o Engenheiro. Quem não aparece esquece. Disso sabem os políticos, que se esfalfam por aparecer a toda a hora e momento. E quando a televisão não vai até eles vão eles à televisão. O actual Primeiro inaugurou agora uma técnica, realmente simples e prática - nem sei como antes dele nenhum se tinha lembrado - que é gravar os videos e mandá-los às diversas estações. Excelente, acho até que podem montar uma mini-produtora na residência de São Bento, e ir distribuindo os filmes com a regularidade que for julgada necessária.
Penso que inspiração não faltará, dados os talentos multifacetados que se reuniram na pessoa do nosso primeiro. Teremos "Santana, o estadista", em pose solene e grave; " Santana entre as mulheres", em estilo de reportagem VIP/Caras; "Santana comentador", com excertos de intervenções e polémicas televisivas; "Santana desportista", com um desenvolvido estudo sobre a sua obra à frente do Sporting e como teorizador do fenómeno futebolístico na TV; "Santana e a Cultura", com memórias da sua inolvidável passagem por essa área (com fundo de violinos de Chopin). Eu sei lá, os criativos que se desunhem que a mim ninguém me paga.
Entretanto, para não deixar desguarnecida nenhuma das frentes o Primeiro foi hoje ao Parlamento. O que disse ninguém recordará, aliás já tinha sido dito o que iria ele dizer, aquilo era só figuração para a montagem. E mais coisa menos coisa é sempre a mesma coisa, não há registo de ali se dizer nada que valha.
O Sócrates, faminto que anda de dar nas vistas e ser lembrado, levava umas ensaiadas. Além de recordar ao respeitável adversário quem é que nunca ganhou um congresso nem nunca foi eleito, como tinha sido combinado, a certa altura atirou-lhe que ele com as suas promessas irreais queria fazer "gelo quente". É profundo, o dito. Faz lembrar o sr. Alfredo Guisado, que dizia muito espirituoso que afinal todos os seus versos eram guisados. A esta hora ainda deve estar a rir-se da graçola, o jovem Sócrates. Estou a ver daqui o jantar. A jovem esperança, riso aberto, olhinhos brilhantes, debruça-se para a roda de assessores e conselheiros, o copito de tinto na mão direita: - "Estive bem, não estive? Aquela foi boa!! E bem metida, ora digam lá... O gajo ficou à rasca!!"