sábado, julho 17, 2004

Um macaco no Inverno

Há quarenta e dois anos Antoine Blondin publicou o seu romance "Un singe en hiver",  evocação desencantada, entre o poético e o melancólico, de um homem perdido na confusão do nosso tempo. Que, todavia,  por entre os acasos da vida encontra o calor de uma amizade,  coisa difícil e rara, periclitante, sempre.
Depois Henri Verneuil faria com isso um filme, com diálogos de Audiard, e um bom naipe de actores, em que se destacam Jean-Paul Belmondo e Jean Gabin.
O filme teve algum êxito, pese embora alguns  problemas com a censura francesa, estúpida, que viu naquilo uma perigosa apologia da bebedeira.
Mas deixemos a literatura e o cinema. Lembro-me muitas vezes do título devido a esta sensação de desconforto que carrego comigo há muito, esta impressão dolorosa de estar aqui sem ser daqui. Uma carta fora do baralho, um macaco no Inverno,  por mais asfixiante que me chegue o Verão.
Antoine Blondin, que sabia do que falava, foi capaz de sublimar, melhor ou pior,  o seu próprio desacerto com o seu tempo, dando-se a temas onde podia sobreviver, sem a marca dos reprovados. Estou a referir-me ao desporto, de que foi escritor apaixonado, ao serviço de "L'Équipe".  Antoine Blondin ficará para sempre o grande cronista do "Tour". Um pouco como Nelson Rodrigues é o maior escritor do futebol brasileiro. Mas Blondin não se ficou pela paixão do ciclismo: também o rugby ficou a dever-lhe páginas da melhor literatura.
Nisto Blondin seguiu o entusiasmo pelo desporto daquele que foi uma referência para toda a geração literária a que pertencia: Drieu La Rochelle.  Este grande desaparecido era o ponto de partida para muito do combate a que se dedicou o grupo que, por facto imputável  ao mais marcante deles, veio a ser conhecido pela designação de "hussardos".  Roger Nimier havia feito tropa num regimento de hussardos, e o seu romance "Le Hussard Bleu"  acabou por apadrinhar o conjunto de escritores que sob os mesmos estandartes apareciam a marcar a actualidade literária francesa, contra os modismos de então, fossem existencialismos espúrios ou "nouveau roman" desestruturante.
Rodrigo Emílio escreveu por várias vezes sobre a obra dos "hussardos",  nomeadamente sobre Nimier, que muito prezava. João Conde Veiga também, pelo menos sobre "Histoire d'un Amour".
E páro por aqui, que a situação agrava-se. Bem dizia um deles que para encontrar os nossos mestres é preciso dar um longo passeio  por entre campas.