segunda-feira, abril 19, 2004

Uma sequência lírica de Rodrigo Emílio

Continuando na senda da poesia, ofereço-vos agora um enternecedor poema lírico do recentemente desaparecido Rodrigo Emílio. Para que se saiba, cada dia mais, que para lá de todas as deformações e desvios existiu sempre um grande poeta lírico, que as desgraças da hora nunca lograram apagar, mesmo quando o arrastavam para outras formas, quiçá menos nobres, da arte poética.


Poema de amor ao mês de Maria

Ainda agora persigo
certo vulto de menina
que, de mão dada comigo,
ia comigo à doutrina.

E um vestido lhe distingo,
tão distante que esmorece...
- Era lindo:
cor d'alperce!

(Outro havia, de xadrez,
que ela igualmente vestia
muita vez,
ao fim do dia,
durante o mês de Maria...)
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Tocou já para a doutrina,
meu amor: - vamos embora!
(A senhora que te ensina
lembra-me a Nossa Senhora...)

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E é pelo sonho - em que singro... -,
pela unção e pela ascese,
que ela domina o domingo
à hora da catequese!

2
Relógio d'horas serenas:
quem, por mal, me distancia
dos sinos, das cantilenas
e ladainhas que ouvia
nessas tardinhas amenas
- quase noite, quase dia -
em que eu possuía apenas
o condão d'ir às novenas
de Maria?...

(Numa assunção de açucenas
toda a igreja rescendia.
... E eu de mágoas e de penas
bem pouco ou nada sabia...)

3
Já tocou para a doutrina.
- Está na hora, amor. Na hora!
A lição que o sino ensina
facilmente se decora.

Tão canora
e cristalina
ela é, tão duradoura,
que decerto se destina
a chamar-nos, em surdina,
em nome da sempre nossa divina
Mãe e Senhora,
para a hora
da doutrina.

- Porque a todo o tempo é hora
d'ir, sem demora, à doutrina.
(D'ir à doutrina
d'outrora!...)


Rodrigo Emílio