terça-feira, janeiro 20, 2004

O Homem e a Política

Aqueles que sonharam a felicidade do Homem, acaso pensaram que há circunstâncias da vida que não poderão jamais ser alteradas pelas tisanas dos regimes políticos? Que há dramas de subtil delicadeza e estranho mistério que escapam à alçada do Estado?
Os que burocratizam o ritmo de trabalho; os que socializaram a distribuição dos alimentos; e os que nacionalizaram a paternidade e racionalizaram a criação de homens na creche do Estado, transformando o Homem em galináceo e substituindo o lar pelas chocadeiras automáticas dos asilos; os que arrancaram o operário de onde ele tinha a impressão da sua liberdade, subordinando-o ao automatismo aviltante de uma engrenagem social em que ele deixa de ser o "sujeito" para ser simplesmente o "objecto", acaso terão pensado que esse pobre ente humano possui, além do estômago, um coração?
É possível socializar os meios de produção, nacionalizar toda a máquina económica de um povo; distribuir os alimentos por meio de coupons, burocratizando todos os movimentos humanos. Mas o que nunca se tornará possível será, na hora da morte, ou na hora do sofrimento moral profundo, distribuir rações de afectos, bondade por cupons, conforto sentimental em pacotinhos, como se as coisas do espírito pertencessem ao Estado.
Porque os afectos delicados e as consolações profundas o Homem só os encontra na família.


Plínio Salgado, in "Madrugada do Espírito"