sexta-feira, novembro 28, 2003

Mais papéis velhos

Tal como tinha prometido, vou continuar a transcrever, para proveito e exemplo, o que a briosa comissão ad hoc para investigação dos acontecimentos do 28 de Setembro de 1974 conseguiu apurar sobre as organizações reaccionárias da época. Do seu famoso relatório reproduzo o que diz respeito ao Partido do Progresso. Admire-se a perspicácia e a profundidade dos investigadores, e os crimes nefandos dos reaças.

9. Partido do Progresso/Movimento Federalista Português
A criação do Movimento Federalista Português deu-se logo após o 25 de Abril - e ainda nesse mês - por iniciativa do Professor Fernando Pacheco de Amorim e de outras pessoas.
Surgiu como conjugação de duas tendências ideológicas já existentes no regime fascista. Uma, tinha por base um grupo de militantes que vinham procurando refugiar-se na clandestinidade e que se auto-denominavam "Nacionalistas Revolucionários", actuando sob a capa legal da "Cooperativa Cidadela" (Porto e Coimbra); outra, constituída na sua maior parte por elementos com inclinações monárquicas. A linha-mestra que possibilitou essa união foi a defesa de uma solução federalista para o problema colonial. Para alguns dos seus fundadores, a mítica "evolução na continuidade" de Marcelo Caetano chegou mesmo a merecer, em tempos, a catalogação de "branda" e de "liberal".
A proliferação, contudo, de partidos de direita, desfazendo o sonho unitário que o Movimento Federalista acalentara, obrigou a que, em meados de Julho, se tivesse sentido a necessidade de o transformar em partido, com vista à luta eleitoral. Assim nasceu o Partido do Progresso.
Como dirigentes deste partido citamos, pela sua acção, Fernando Pacheco de Amorim, secretário-geral, Luís de Oliveira Dias, José Magalhães Valle de Figueiredo e Diogo Miranda Barbosa. Havia ainda outras figuras proeminentes no quadro da organização nacional, designadamente José Miguel de Alarcão Júdice, Luís Sá Cunha, José Augusto Carneiro da Costa Deitado e Joaquim Miguel Seabra Ferreira (director do "Tribuna Popular").
Neste periódico, "única voz da maioria silenciada", se repetiam um por um, todos os motes que pretendiam desacreditar a política seguida pelo Governo Provisório, nessa campanha orquestrada pela extrema-direita, visando a consecução dos seus intentos subvertores do espírito do 25 de Abril.
Por seu turno, um grupo de jovens que haveria de filiar-se no Partido do Progresso, constituiu no Porto um Comité Nacionalista de Acção Revolucionária (CNAR), que não passaria, afinal, de uma organização fantasma com o objectivo de, através de pinturas murais com frases ultra-reaccionárias e provocatórias, criar a ilusão da existência de uma organização clandestina da extrema-direita, forte e bem preparada, que desse alento aos saudosos do salazarismo. A inspiração para estas acções proveio e contou com o apoio de Fernando José Montenegro Sollari Allegro, o qual servia de meio para que a sede do Porto suportasse as despesas efectuadas pelo Comité.
De entre os factos relacionados com o Partido do Progresso, destacam-se, desde já, a contratação de um técnico de "marketing" político de nacionalidade americana (custou cerca de uma centena de contos a deslocação de Clifton White ao nosso País) e a existência nas suas instalações de uma longa lista de jornais a contactar e capazes de compensarem "em boa medida, o silêncio eventual da imprensa diária adversa" - seleccionados "por oferecerem maiores possibilidades de abertura ao ideário federalista e suas implicações", órgãos da imprensa regional cujo passado e presente dos seus responsáveis e escribas não deixa qualquer dúvida. E, para além de pormenorizados mapas do Instituto Geográfico e Cadastral que servem as Forças Armadas e nos quais se assinalavam indicações estratégicas, também vários livros foram sintomaticamente encontrados na sede deste partido - salientam-se: "Discursos de Salazar", "Livro Branco" de Pinochet, "Anti-Marx" de Pequito Rebelo.
A orientação política do Partido do Progresso não permite, pois, enganos a seu respeito - sendo mais um gravame a organização da sua "Comissão Operacional" que adiante será referida, em razão dos métodos e dos meios para ela preconizados.
Com base num estudo, encontrado nas suas instalações centrais, pode afirmar-se que o Movimento Federalista se considerava como gozando das simpatias dos meios militares afectos ao General Spínola e que dizia ter igualmente forte implantação no sector dos antigos combatentes, "bastante dispostos a aceitarem e a subscreverem um programa de defesa do Ultramar, de anticomunismo e de reformas sociais ousadas".
Finalmente, nesta breve caracterização do Partido do Progresso, note-se ainda que este teve diversos contactos e ligações com vários movimentos políticos fantoches surgidos nas colónias depois do 25 de Abril, tais como a "Associação Cívica Pró-Angola", a “ Frente Nacionalista Angolana", o "Movimento Federalista de Moçambique", a "Liga Popular dos Guinéus" e a "União Democrática de Cabo Verde".
Por outro lado, apurou-se que o Partido do Progresso mantinha relações com organizações fascistas estrangeiras, a saber: "Ordine Nuova", "Europe Action", "Giovane Nazione", com as quais Valle de Figueiredo, antigo aderente do movimento "Jovem Portugal" - organização da extrema-direita que actuava em Coimbra - se correspondia com frequência.


Uff!! Ainda bem que a revolução vigiava ...