sexta-feira, outubro 17, 2003

Francisco Bugalho, o poeta de Castelo de Vide

Poeta e lavrador, exerceu durante anos também as funções de conservador do registo predial de Castelo de Vide. Natural do Porto, adoptou como suas a terra e as gentes em que viveu a maior parte da sua vida.
Foi pai de outro poeta hoje esquecido, Cristóvam Pavia (de seu nome de baptismo também Francisco Bugalho), de pendor expressionista, que a seu tempo teve o apreço das tertúlias literárias lisboetas e que tal como o pai veio a falecer muito novo.
Três foram os livros que publicou em vida - Margens (1931), Canções de Entre Céu e Terra (1940) e Paisagem (1947) - que constituem, dentro da produção poética do grupo da revista “Presença”, a que pertenceu, alguns dos espécimes em que melhor se alia um equilibrado sentido de modernidade a uma profunda apreensão de múltiplos valores do nosso lirismo tradicional.
Faleceu em Castelo de Vide, em 1949, com apenas quarenta e quatro anos de idade. Os três livros que publicou em vida foram postumamente, em 1960, reunidos num único volume, intitulado Poesia.
Nessa obra, com prefácio de José Régio, constam ainda alguns poemas inéditos e outros até então dispersos.
Na sua poesia estão presentes as várias actividades da vida agrícola e as diversas figuras típicas do microcosmo rural alentejano - carreiros, vaqueiros, mateiros, azeitoneiras, ceifeiras, corticeiros.
Eis uma amostra.


GANHÃO

Minha junta vai puxando
Morosa, lenta, cansada;
Que a leiva que vai virando,
vai ficando bem virada

Passam dois corvos grasnando.
E à minha volta mais nada ...

A relha que rasga a terra
Rasga e beija docemente.
- Breve se acaba esta guerra
Só de sonhar a semente

Nos vales de terra molhada
Piam abibes em bando

E a leiva sobe na aiveca
E vai ficando tombada,
Ao seu feitio moldada,
Sobre outra leiva já seca.

Minha junta vai puxando
Pesada, lenta, cansada ...

Ao fundo, no horizonte
Só um sobreiro pasmado;
Nem um ruído de fonte,
Nem um chocalho de gado ...

Nem algum cantar perdido
De certas horas felizes.
Só canta no meu ouvido
Este estalar das raízes.

A leiva que vou virando
Vai ficando bem virada ...