segunda-feira, agosto 25, 2003

Paradoxos

Outro dia, na CNN, um comentador americano (para que não digam que sou eu) raciocinava como segue.
A pior coisa que podia acontecer agora no mundo islâmico, para os americanos, era terem o que apregoam. Isto é, democracia e eleições livres.
E concretizava: com eleições verdadeiramente livres, neste momento, na Arábia Saudita, no Iémen, no Egipto, na Jordânia, nos Estados do Golfo, no Iraque, no Afeganistão, no Paquistão, mesmo na Turquia, na Malásia ou na Indonésia, os regimes com que os americanos melhor ou pior se têm entendido seriam totalmente varridos. E os vencedores seriam, fatalmente, forças radicalmente anti-americanas (até porque não há outras). Com efeito, os americanos, entre os povos desses países, são vistos não como um inimigo, mas como o inimigo, por razões facilmente descortináveis; e os amigos com que aí podem contar estão apenas nas classes possidentes e entre as forças militares ou policiais, ou nos serviços de informação, tudo sectores fortemente ocidentalizados, por interesse ou por convicção – mas largamente isolados e impopulares.
E ironizava o mesmo comentador: curiosamente, de entre os países de religião islâmica a sociedade onde se pode sentir mais simpatia pela América é a iraniana ...
Não dizia, mas deixava claro: nada a fazer senão ir apoiando firmemente as ditaduras dos amigos, em defesa da democracia...
Ou seja: houvesse eleições livres e democráticas, sem condicionamentos militares ou policiais, nos estados islâmicos cujos regimes são vistos como apoiantes dos americanos, e teríamos multiplicada a situação argelina. Depois das eleições, os democratas, largamente vencidos, tiveram que fazer um golpe de estado e instaurar uma ditadura militar, para salvar a democracia e chacinar metodicamente os anti-democratas que democraticamente as venceram. Confuso não é?