quinta-feira, agosto 07, 2003

Frederico von Hayek em Lisboa

A minha geração, pensando num conjunto de gente mais ou menos da mesma idade unida por alguma comunhão de ideias, conhecia, por alto, o pensamento de Hayek, e tinha a noção da sua importância. Afinal o homem até tinha recebido o prémio Nobel da Economia, poucos anos antes.
Mas naqueles anos de brasa da ressaca revolucionária a prioridade ia toda para o combate imediatamente político, pelo que o autor interessava sobretudo enquanto crítico do socialismo global.
Fazia-se, por assim dizer, uma instrumentalização ditada pelas circunstâncias, que eram as do rumo obrigatório para o socialismo, constitucionalmente imposto e culturalmente asfixiante.
O mesmo acontecia, aliás, com autores como Karl Popper, ou Raymond Aron, ou mesmo Konrad Lorenz e a sua Etologia, omnipresente em todas as nossas publicações da época enquanto inimigo das utopias igualitaristas, do optimismo antropológico, das ideias base em que assentavam as certezas da esquerda institucionalizada.
Era o tempo de recordar em jeito de provocação que, tal como para comprovar que a água do mar é salgada não é preciso bebê-la toda, para verificar os malefícios do socialismo não é preciso socializar toda a economia – basta socializar uma parte.
Quem se dedicava efectivamente ao estudo e à divulgação da obra de Hayek era o Orlando Vitorino. Em guerra acesa ao socialismo, e em afirmação do liberalismo em que acreditava, o Orlando veio a traduzir, a prefaciar e a editar o “Caminho para a Servidão”, edição essa que julgo de todo desaparecida hoje em dia.
Mais tarde, no prosseguimento da sua reflexão filosófica, viria o Orlando a publicar a “Refutação da Filosofia Triunfante”, e passado mais algum tempo a “Exaltação da Filosofia Derrotada”, oferecendo a todos o fruto do seu pessoalíssimo labor.
Para lançamento da edição do “Caminho Para a Servidão”, e em desafio ao socialismo oficial, o Orlando conseguiu trazer a Lisboa o renomado prémio Nobel. A visita passou discreta, o escritor ignorado pelos media e pelos círculos do poder cultural instituído. Silêncio total.
Lembro-me dele na conferência do Grémio Literário, e no debate que se lhe seguiu.
Era um cavalheiro idoso, calmo e afável, de modos delicados e aparência cuidada.