quarta-feira, agosto 13, 2003

Correio do dia

Folheio a “Revista Portuguesa de Psicossomática”, com a interrogação do costume.
De quem será a lembrança de me enviar, regularmente, a publicação, tão estranha aos meus limitados horizontes culturais?
Será de alguém que por essa via tenta generosamente alargar tais horizontes?
Ou a remessa deve-se, simplesmente, à indicação do meu nome por uma daquelas empresas que caçam endereços para vender bases de dados?
Seja como for, por respeito e curiosidade, folheio a revista, petiscando aqui e ali. As mais das vezes passo à frente, que não é leitura para o meu dente.
Reconheço um nome que fixei, faz tempo: Manuel Silvério Marques.
O nome ficou doutro local, quando li um artigo sobre a crise do acto médico – que me prendeu, e achei uma descoberta de raro valor e oportunidade. Intuição luminosa, pura: o aspecto essencial da crise do acto médico consiste numa mudança simples mas radical, que se instalou sem que fosse atempadamente diagnosticada – e que se traduz, tão só, em que os médicos deixaram de gostar dos doentes....
Mais à frente, deparo com outro autor a citar Pedro Homem de Melo. E páro, sorriso a meia haste. Melancolia puxa à poesia. Pedro Homem de Melo é pão, e pão da minha messe.
Tinha as raízes mergulhadas nas suas terras do Minho, com a mesma força telúrica com que me agarro à pequena pátria alentejana. Cantava o deslumbramento do rio que lhe passava à porta (“O rio passa em Cabanas/ por entre fragas. Tão lindo/ que embora desça da serra/ parece que vai subindo...”), fitava o mar com o sentimento lírico que perpassa em toda a nossa melhor poesia (“Naquele branco navio/ Que ao longe parece fumo,/ Que as ondas do mar salgado/ Parecem deixar sem rumo,/ Naquele branco navio/ Sou eu quem vai embarcado”).
Dedicou toda a sua vida à vida do seu povo. Com paixão falava dos trabalhos e da romarias, das danças e dos cantares, dos trajes e das tradições da sua terra. Com paixão as divulgou por todo o lado. Quem o compreendeu foi Amália, que gostava dele e também sentia a comunhão de comer à mesa redonda, de fazer parte daquele povo que lavava no rio – e cantou os versos dele, orgulhosa, até ao fim.
Também Amália já se calou.
Lembro o Pedro Homem de Melo, fidalgo altivo e insolente (“ainda no Porto só havia cães, já havia Homens em Atães!”), ébrio nas voltas do vira, ou sapateando o malhão (“Grande poeta é o povo”).
O Poeta D. Pedro jaz hoje esquecido, arrumado, por delitos de incorrecção política, pela estupidentzia dominante.
E vou parar por aqui, que me sinto acometido pelos sintomas da exaustão vital – diminuição de energia, sentimentos de desmoralização e aumento da irritabilidade - , tendo em conta a síntese publicada a fls. 75.